quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Em cantos

por K.C


Nunca me mostrou novos livros, não me falou sobre filosofias baratas, não aposta comigo quem sabe mais, aposta em mim. Não conversa por horas sobre passados, lembranças concretas, histórias vencidas.
Seu corpo magro, de curvas definidas, braços longos e cabelos na altura dos ombros quase estreitos não se aventura por aí, em outro corpo qualquer. Ela é tão linda, e não acredita.
Acredita nas cenas que cobrem seus olhos indefinidos, acredita no que lhe toca o peito, sem saber exatamente onde. Se eu disser, ela acredita, se outro disser também pode acreditar. Ela é tão linda, e nisso não acredita.
Não sei seu partido, se tem, sequer, um partido. Não deve ter, não lhe cairia bem. Das políticas, ideias, confusões do mundo pouco sabe, pouco comenta, prefere deixar pra lá. Deixa pra mim, posso me virar bem.
O amor, o amor ela sabe, sem saber. Mostra serenamente o amor puro, completamente nu, sem medos, nem grandes expectativas. Num abraço de despedida, num beijo de chegada, numa lágrima de saudade me faz perceber o sentido em sorrir a dois. Ela é tão linda, e tão linda.
Os livros eu guardo na estante, as filosofias baratas no bolso vazio, as histórias vencidas eu espalho por aí. Tanto faz. O sentido que ela dá ao amor eu deixo em mim, para deixar que ela sinta numa felicidade sorrindo saindo de mim. O amor dela é tão lindo, e eu acredito.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Espere pela outra vez

por Keissy Carvelli


Essa coisa toda por dentro me sufoca. Quero sentir o céu inteiro nas manhãs e madrugadas deixando o meio dia, o meio termo para os corações cautelosos da cidade grande.
Esses meus exageros não são exageros inventados numa embriaguez efêmera, eu sou inteiro exagero. Tudo em mim grita, suplica, palpita, quando não grita sussurra tão intenso feito prazer insaciável, quando não suplica ataca, machuca, fere com tamanha precisão, precisa tanto do pulso acelerado.
Minhas paixões vão assim, enlouquecendo junto das minhas próprias loucuras. Minha paixão toma todo o mar visto de ano em ano como seu próprio limite inexistente. Prefere a indiferença ao limite. Vai parecendo doce, encantadora doçura tamanha, vai se mostrando excitante nos gemidos ao canto da nuca, exatamente onde o cheiro de pele é somente seu.
Depois, depois é amargo. Volta a ser doce a paixão, o amargo é apenas o amargo, como num dia ruim, numa solidão ruim, numa sobriedade medíocre.
É doce, docemente amargo, e, então, doce outra vez.


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Pílula pro dia seguinte

por Keissy Carvelli


Eu quero que você me queira pra sempre. Porque quando eu te faço almoço na minha casa quarto-cozinha você sorri e diz que sou a melhor pessoa do mundo e eu nem sou. Nós duas sabemos que nossos sorrisos dão certo juntos, e quando você vem, e quando eu vou e quando estamos é como se o céu se enchesse de estrelas mesmo nos dias frios.
A distância traz uma saudade apertada, eu sei, você sabe, e quando a minha saudade não se suportar sozinha eu vou deixar uma lágrima escorrer e vou te ligar e você vai me ouvir. E quando a sua saudade for como a minha você me liga e eu vou, você sabe que eu vou.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Doce saudade de um doce amor

por Keissy Carvelli


Gosto de assistir à lua da janela do meu quarto cada vez mais ao centro do céu. Surgiu fraca, ainda escondida por trás do telhado e das paredes da casa ao lado, mas logo seu brilho forte se postou em frente à minha janela, fazendo-se perceber até mesmo pelo vidro espesso.
Vejo tantos detalhes da janela do meu quarto, falta-me o mar, é certo. Logo menos terei a lua, o céu, o mar, você, juntos sem que se faça necessária minha imaginação quase infantil.
Seu amor é assim, como a lua. Surgiu por trás de luzes artificiais, canções especiais, mas logo se postou em frente à minha janela, fazendo-se perceber até mesmo pelo vidro espesso.
É suave, doce o seu amor, não fere, não maltrata, não sufoca. Sereno, ainda que intenso o seu amor.
Gosto de assistir à lua da janela das nossas lembranças. É quando penso em silêncio em você. Deixo a saudade surgir discreta em todos os meus sentidos, é suave, é doce a minha saudade. Machuca, é certo, mas não maltrata, não faz doer o amor. Serena, ainda que intensa a minha saudade.
Doce saudade de um doce amor. É quando tranquila deito e espero nosso encontro chegar.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Há de ser

por Keissy Carvelli


Centenas de motivos me ocorrem para justificar, mas amor com explicações não pode ser amor. Pode ser que digam ser hipérbole do meu senso poético, extremismo do meu sentimentalismo exagerado, não importa. Há sempre algo a ser dito para as coisas escritas, ainda que sejam jogadas em letras tortas sob a neblina da madrugada, não importa.
Te pertenço na minha única liberdade. Não há de ser preso o amor que já nem cabe em mim. Não há de ser apenas meu o amor que é nosso. Há de ser, apenas.
Centenas de motivos me ocorrem e somem e me ocorrem repetidamente. Há de ser repetido em você o amor traduzido em mim.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Entre eles

por Keissy Carvelli


- Porra, abre essa porta.
- Vai embora!
- Eu não vou a lugar nenhum, caralho!
- Agora você me diz isso? Só agora?


Ele respirou fundo como há dias não fazia. Em meses assim, com uma paixão assim ficava difícil deixar o ar entrar ou sair por completo.
Ela pode ouvir a respiração pesada e imaginou as rugas que se formavam na testa dele sem fechar os olhos, sem deixar de derrubar algumas lágrimas. Bateu de leve os punhos fechados na porta para, depois, ir caindo lentamente até repousar sobre o chão, de joelhos encostados contra o peito como via nos filmes. Imaginou que sentar assim, tão junto à porta, ao lado das palavras grosserias dele, com os joelhos apertados pelos braços curtos amenizaria alguma dor. Os filmes mentem, constatou.

- Você é tão ridículo nesse seu amor de merda, nessas tuas não palavras de merda!

Ele suspirou tomando fôlego para alguma resposta; colocou as mãos no bolso da calça quase larga, suja do dia inteiro e não disse palavra alguma, nem ao menos uma sílaba, nem expressão, nem palavrão.

- É esse seu silêncio imbecil que me entorpece de raiva. Vai, diz alguma coisa! Estúpido! Só duas frases com duas grosserias e acha que é o suficiente? Imbecil. Vai embora, saia por aí, saia de mim.


Ele ouvia o choro atropelando a voz dela e logo no ponto final virou as costas, sem suspiro nem fôlego e saiu.
Ela esperou ainda a beira da porta abraçando os joelhos sem secar as tantas lágrimas que caíam. Respirou fundo, mas não sentiu a respiração dele do outro lado. Levantou apoiando as mãos no chão; encostou mais uma vez os pulsos cerrados cor força na porta e ouviu mais um silêncio. Abriu a porta, como nos filmes, para encontrá-lo em choro também de punhos cerrados na porta. Imaginou que ao abrir a porta o silêncio seria rompido, ainda que com as grosserias dele. Os filmes mentem, constatou.



sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Idade média

por Keissy Carvelli


É estranha a sensação de sentir o tempo passar. Olhar as folhinhas caindo mentalmente não é tão constrangedor quanto ver o seu recente presente tornando-se um remoto passado, e então quase um pretérito passado.
Eu não estou lamentando qualquer ruga que possa ter surgido no meu rosto, essa preocupação ainda não é minha, e talvez nunca seja. Os cremes para os vinte, trinta anos estão aí e eu saberia conviver bem com a presença oleosa deles no armário do meu banheiro. São os momentos, as manias, os hábitos, os gostos.
Num desses domingos de calor não hesitei em gastar os poucos reais que me restavam num bar quase no centro da cidade. Quando você vive no sul do Brasil você passa a entender a virilidade do calor, você espera pelo calor como uma criança pelo Natal.
Foi num domingo de calor, então, como eu dizia. Alguns poucos cigarros, um bar não tão típico, com um aspecto de boteco, mas ainda bar, com cervejas valendo não como boteco. Bar. Música brasileira, copos ora cheios, ora vazios, algum samba no pé, voz já meio rouca de acompanhar a banda. Era Música Popular Brasileira, Maria Rita, Cazuza, Lobão, Tim Maia. Qualquer um na minha idade, ou com mais idade, pode entender.
Lá pelas tantas cervejas a cantora numa espécie de a capella deixa soar uma dessas canções da infância e que você, pura e simplesmente, leva pela adolescência, juventude e assim vai. Não que você tenha escutado dias a fio, cantado sob o chuveiro de olhos fechados. Você apenas conhece cada rima, cada verso como conhece as notas musicais sem nunca ter feito aula alguma. Você sabe. E eu sabia.
Prefiro omitir o título da canção. Não soa bem espalhar por aí certas músicas de toda uma vida. A cantora então deixou soar as primeiras palavras e me deixei acompanhar, como qualquer um na minha idade, ou mais, faria. Fui cantando, cantando como se a música fizesse parte de mim. De fato fazia.
Eu já soltava o diafragma no refrão quando observei uma amiga já de copo vazio me observando com um olhar de espanto, não um espanto horrorizado, um espanto, apenas. Não entendia em absoluto como eu, vestida de calça justa, tênis e t-shirt, como costumam dizer hoje, podia saber toda a letra daquela canção tão desconhecida.
Achei graça, afinei um pouco mais a voz, tomei ar e voltei para a repetição do refrão ainda com mais vontade. A menina de pouco menos de dezoito anos riu, ainda sem entender. Talvez continue não entendo, ou nem lembre mais passados tantos dias e tantos copos de cerveja. Não entendia como eu, vestida quase como ela, poderia saber uma música cuja existência ela desconhecia.
A música da infância, da adolescência e da vida inteira foi cantada por todos com vinte ou trinta anos. A menina de pouco menos de dezoito anos mal sabia que com seu espanto deixou a marca do tempo passando sob meus olhos, ainda sem rugas, que fique claro.


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Diálogo interno

por Keissy Carvelli

Promessas, minha promessa.
Não conheço o pra sempre do universo,
nem o meu, nem o seu.
Prometo, meu amor, o amor.
O amor presente, o amor intenso, o meu amor.
Todo ele.

domingo, 16 de agosto de 2009

Doce solidão

por Keissy Carvelli

A minha solidão transborda os cinzeiros espalhados pelo quarto já quase vazio dos meus próprios detalhes, das minhas nostalgias e bobagens. Eu grito em silêncio súplicas incansáveis de um começo de noite quase quente, quase frio; eu deixo a janela e a porta abertas para ouvir passos se aproximando, mas meus pés estão sós.

Solidão barata e nem mesmo posso pagar. Apago as luzes para imaginar os segredos clareando a cama, mas minha imaginação está só, inteiramente só em sua própria alucinação.

Traição dessa saudade impune, intensa me vigiando a cada passar de dias chegando antes da hora, logo após o primeiro minuto da distância.

A minha solidão é tão minha que eu preferia que não fosse. Vai e depois volta pela estrada curva dos nossos pontos de partida. Minha tão necessária solidão de noites vagas e nostalgias densas, minimalistas, com diálogos ditos por outras bocas, em outro quarto, sala, cozinha.

A minha solidão transborda os cinzeiros, as palavras, e a distância.



quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Eterno

por Keissy Carvelli

Sorri ainda de olhos fechados a cada beijo meu delicado dado com o sol começando a bater na janela. Deixa o sorriso soar sereno, doce, depois um pouco preguiçoso, bem humorado para só então abrir um pouco os olhos, meio sonolentos recusando a luz que vem da janela, do dia.

Mexe nos fios de cabelo bagunçados, desarrumando-os mais, como numa cena perfeita em que a menina deixa os cabelos caírem no rosto sem perceber demonstrando uma graça ingênua, e depois me beija os lábios com boca sutil, cheia de paixão boreal, dessas paixões de quando a gente acorda,

Tento lhe dizer algumas frases criativas, penso em algum trecho de poema, em algum tipo de sentimento e sinto um pouco a estupidez dizer as mesmas palavras cheias de olhos brilhando de sempre. Logo eu, uma boa falante, que nunca deixa o silêncio vencer seus diálogos interiores. Só as não palavras e os olhos misturados ao sorriso terno no rosto são possíveis expressões, frases, ou o que quer que sejam.

Passo o dia procurando alguma flor com um formato diferente daquelas que já roubei para enfeitar-lhe a casa, ouço todos os sons saídos da rua para encontrar algum que caiba no exato momento em que atravessamos a rua, cruzo minha mão na sua toda vez em que se faz necessário desencostar o meu corpo do seu.

A lua toma um pedaço do céu deixando somente sua luz iluminar a cidade e as janelas dos apartamento e me pego numa casinha num lugar qualquer, vendo o seu mesmo sorriso de outrora e sinto a mesma estupidez das palavras que não conhecem a poesia exata, que deixam o silêncio dos olhos brilhando soar mais alto.

E a lua vai caindo, calma, dando três ou quatro suspiros a cada poucos segundos e não perco o seu sorriso doce das manhãs de vista, não deixo escapar a sensação de paixão ao acordar que noutras manhãs arrepiavam-me todo o corpo.

Para sempre é o tempo que o tempo pode levar, é o tempo de um sorriso.


quarta-feira, 24 de junho de 2009

Poesia, Poesia, Poesia

por Keissy Carvelli

Poesia, Poesia, Poesia
Por onde anda?
Estará nos olhos daquela menina
que queima de amores em meu peito?

Ou estará noutro peito
mais solitário que o meu
agora mais real e menos poeta?

Entendo seu ciúme,
sua fuga repentina
feito a minha paixão
por aquela menina.
Mas volte, Poesia!

Volte e veja meu amor
sorrindo a todo momento.
Sinta minha pele suando
de excitação e tormento.
Sinta meu peito leve
sorrindo feito o vento.

Poesia, Poesia!
Não intencionei perder seus encantos,
nem suas belas formas
que me tocavam a cada madrugada.

Apenas me encontrei
em outros braços segunrando os meus,
Noutros lábios
tocando os meus...

Voltei para o meu peito, Poesia
Volte e conheça essa menina
que encanta meus sorrisos
e afaga minhas idas e vindas.

Minha solidão, Poesia,
Não podia mais viver sozinha.
Só suas rimas não tiravam dos meus olhos
as lágrimas de todos os dias

Só essa menina
conhece o meu amor
sem ler romances inteiros

Venha para perto dela, Poesia.
Quero escrever em você
que o meu amor tem nome
e dança comigo.

Quero escrever em você o nome,
os olhos, os sonhos, os sorrisos,
a ternuna e a doce paixão
só dela.

Poesia, Poesia.
Ponde onde anda eu já não sei,
mas com essa menina, minha menina,
eu encontro o mundo
E nele suas rimas,
Poesia!

sábado, 23 de maio de 2009

Quem diz sou eu

por Keissy Carvelli

O mundo gritava pra elas com suas vozes roucas e frias que essa coisa de se apaixonar assim, logo na primeira vez, é besteira de dramaturgia. Olhar não traz paixão, o sorriso é só uma expressão, essa coisa toda literária de encantamento é bobagem de solitários confusos. Deixem disso, é cedo demais! Não pulem etapas, o tempo é que aponta se faz sentido ou não. Paixão só dura alguns segundos, vale mesmo o convívio, as conveniências...

O mundo sussurrava nas madrugadas em seus ouvidos que é besteira. Saudade não existe, olhos fechados, mas com pés no chão. São tantos passados entre esses seus dias de sol, tirem da cabeça essa história de futuro. Dizia tantas controvérsias conscientes e absurdas que, por vezes, soltava uma lágrima ou outra quando ninguém poderia ver...Dizia tantas babaquices.

Elas se apaixonavam a cada instante em que os olhos, tão distantes em semelhanças, trocavam um sorriso doce. Elas se olhavam e sorriam mesmo de olhos fechados, ou inundados de insônia. Contavam o tempo entre suspiros e janelas abertas, e enchiam a alma de poesia de bar. Derramavam uma lágrima a cada milha percorrida, a cada distância. Nem lembravam de luas atrás, estações atrás, lembravam da música sutil para o primeiro beijo, lembravam dos diálogos do dia perfeito, da memória perdida em desejo. Elas diziam tantas rimas...

O mundo dizia sentimentos medíocres com peles esquecidas, e sussurrava sexo contido às coxas e seios. Elas diziam os olhos, os beijos, os risos, as peles, os desejos. Elas diziam que se aquelas mãos entregues uma à outra em sintonia, que se aqueles beijos seguidos de sussurros sentimentais não forem amor, nada mais seria.


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Primeiro ato

por Keissy Carvelli

- Vou sentir saudade.

- Eu vou sentir saudade.


Olharam-se nos olhos como há tempos não o faziam. Talvez até já tivessem lançado algum olhar pra outro alguém, mas nunca assim. Os olhos tão opostos em cores e formas encontraram-se num mesmo ponto, num mesmo sentido e podiam dizer absolutamente qualquer palavra, qualquer sentimento intenso sem sequer reproduzir um som. O silêncio bastava para aqueles olhos.

Os lábios colaram sorrisos mútuos, sorrisos abertos numa mesma fração de segundos sobre os braços cruzados ao redor do corpo. Tinham no silêncio a expressão perfeita para a luz apagada e janela aberta.

No rádio uma música cheia dessas palavras escondidas nos medos de amores passados, de paixões erradas, de lágrimas caídas. Por quantas vezes pensaram em desistir dessa coisa toda, desse lirismo todo por uma dor jogada em camas solitárias. Por quantas vezes olharam para as estrelas num céu aberto e desenharam em imaginação cenas de livros e filmes melódicos.

Estavam ali, ouvindo letras de paixão com os olhos cheios dessa vontade incontrolável de parar o mundo e parar o dia e trancar a porta e deixar o som, os olhos e os beijos levarem o resto do tempo inteiro.

Sorriam e entrelaçavam as mãos como se encenassem um filme há anos e estivessem apenas reproduzindo, mais uma vez, com a mesma intensidade do primeiro ato. Era o primeiro ato de uma paixão inteira, sem tempo nem compasso, sem capítulo último. Uma diálogo inicial e só...

Não trocaram nostalgias, passados distantes, passados presentes. Era como se o relógio começasse a girar dali, exatamente naquele instante, naquele sofá claro, naqueles olhos opostos.

Era paixão, e inúmeras precipitações seguras. Eram os olhos e os sorrisos brilhando juntos, e quando os olhos e os sorrisos se completam não há tempo, nem espaço, nem passado, nem medos.

Sabiam da saudade dos próximos dias, mas não sabiam que a paixão terna e doce daquelas noites, e canções, e lençóis, e risos, e abraços, e olhos sorrindo estava só no primeiro ato, no primeiro diálogo da peça mais linda que já atuaram.


terça-feira, 21 de abril de 2009

Só pro teu prazer

por Keissy Carvelli

Puxe meu cabelo, me olhe nos olhos e diz que sou tudo o que você quer apenas por uma noite, somente. Puxe meu cabelo e me olha com esses olhos de quem precisa de carinho, mas só conhece o sexo, e vai embora sem dar adeus.

Encoste-se em meu rosto e me toque de olhos fechados pelo tempo que quiser, e me faz provar dos teus sabores, seu desamores, seus gemidos e sussurros. Coloque-me na minha cama e cubra-se com meu lençol e me faz tremer para depois sorrir de triunfo.

Encontre minhas pernas sob a calça com apenas uma mão e deite a esquerda em meu cabelo negro e deixe-o embaralhar-se junto ao teu, e às bocas, e desejos e prazer. Deixe tua boca encostar minha pele e use qualquer palavra doce que possa tornar poético o pecado dos corpos.

Sinta-me por dentro como nunca sentiu outro alguém e encontre teus medos perdidos entre estes meus sentimentos, essas suas confusões e esse meu apego. Sinta-se na minha cama, no meu perfume, no meu colchão. Sente-se ao meu lado e me faça deitar ao teu.

Procure no teu travesseiro os vestígios do meu, e acorde precisando de homem, sexo, gozo para se esquecer dos nossos cabelos juntos, jogados ao sono.

Me use por uma noite, um mês. Me use para o teu sexo, a tua diversão, finja ser paixão e eu vou acreditar, para saciar o teu descontrole, e a tua insegurança. Encontre outros lábios por perto dos teus e não tão longe dos meus e me faça ver cada detalhe dos teus carinhos.

Me procure em qualquer madrugada cheia das tuas solidões disfarçadas de desprezo e pretensão, me conte do seu dia, dos teus risos, suas manias. Me conte sobre sua família enquanto me dá as mãos para fugir do frio e acenda um cigarro pra fumar comigo.

Esqueça as horas, a rua, a lua, e espere o sol nascer ultrapassando a cortina do meu quarto com teu corpo em transe jogado sobre o meu. E me esqueça, me esqueça rápido, antes que eu não possa mais te esquecer.


segunda-feira, 20 de abril de 2009

Alice e a estação

por Keissy Carvelli

A confusão de vozes estranhas tomava todo aquele imenso saguão sem visão do fim. Luzes brancas se embaralhavam entre os faróis vermelhos de tempo em tempo, ofuscando o olhar de toda aquela gente de rostos e feições efêmeras.

Eram segundos e mais segundos marcados por tantas expressões, e o tempo já não sabia se era ele quem brincava com os corações, ou vice versa. Até o tempo parecia entrar naquela confusão, naquelas vozes.

Alguns sorrisos se abriam com a chegada. As malas em mãos sofriam o peso da saudade e caiam ao chão, dando espaço para um abraço, um aperto de mão, um gesto sem graça ou intenso.

Alguns olhos molhados sussurravam ‘eu te amo’ quase em silêncio com a partida. As malas já guardadas sofriam o peso da saudade, dando espaço para um último beijo, um abraço reticente, mãos entrelaçadas.

Idas e vindas marcadas por diversos rituais complementares. Uma ou outra vez quem deixava derramar uma lágrima tímida ainda iria abrir um sorriso às quatro da manhã querendo dizer a toda estação rodoviária o nome de quem chega. Os sorrisos, mais segundos, menos segundos, iriam ceder lugar aos olhos tristes e saudosos. Toda estação tem sua rotina.

A menina de mochila grande nas costas não sorria. Também não levava nos olhos marca alguma de tristeza, ou sal. Nas mãos nenhum presente, nenhum bilhete. Apenas uma blusa enrolada num dos braços para caso o frio surgisse em meio à madrugada. Talvez chamasse Alice. Tinha no rosto um desses nomes fortes, mas talvez não fosse tão simples assim, não poderia saber ao certo. Apenas carregava nas costas uma mochila, nas mãos uma blusa e um cigarro. Nenhuma carta, flor, nenhum indício para onde iria. Mas voltaria, era certo.

Alice, que provavelmente não tinha esse nome, tinha nos olhos algo diferente. Esperava, assim como todos ali, por algo. Não simplesmente o próximo ônibus, ou o abraço de despedida. Não era isso, e eu podia sentir, mesmo de longe. Esperava por algo muito maior, uma epifania de arrepiar de pele, quem sabe.

Estalou os dedos algumas vezes, aposto que cantava algum samba em pensamento e sorria quando percebia estar em plena multidão. Uma multidão entre abraços e ela ali, só. Completamente só.

Tirou do bolso o único bilhete escondido que levava, sem nome nem letra a mão. As letras impressas diziam, certamente, para onde iria, mas não arrisquei olhar. Sabia, pelos olhos, que iria para onde pertencia, e pertenceria ao resto do mundo, não muito longe. Alice, Alice, Alice...Subiu os três ou quatro degraus, procurou o número de sua poltrona, esticou as pernas, vestiu a blusa outrora em mãos e se perdeu entre pensamentos pela janela e estrada.

Alice, Alice, carregava nas costas uma mochila, nos braços uma blusa para caso o frio da madrugada surgisse, numa das mãos um cigarro e só.


quarta-feira, 1 de abril de 2009

Por uma madrugada

por Keissy Carvelli

Só pra sacanear, essa madrugada eu vou falar a verdade. Sem metáforas, nem ironias, nem poesia, rima, subjetividades. Só pra sacanear, eu vou falar a verdade.

Te acho estúpida pelos teus desamores cometidos, pelas frases ditas, pelo silêncio ridículo, pelo distúrbio de temperamento. Me acho ainda mais estúpida pelas tentativas vagas, pelas noites escritas, pelas loucuras feitas somente por um segundo dos teus olhos.

Acho ridículo o final escrito por você sem qualquer lirismo, mas gosto de como está. Não suportava te dividir com teus egoísmos, tuas meninas, teus meninos, tua insegurança tão bem disfarçada de prepotência. Não suportava não me enxergar longe de você e não suporto me enxergar tão perto de você sem os nossos cigarros seguidos de beijos, ou tanto faz.

Só pra sacanear eu vou te dizer o quanto eu me sinto livre pra fumar o que eu quiser, pra escrever qualquer porcaria estúpida e publicar onde eu bem entender. Eu ainda estremeço por dentro como da primeira vez e quase não sei explicar, se não for por linhas tortas e olhos baixos.

Eu tentava entender todos os teus desatinos e por quantas vezes me joguei numa cama com os olhos cheio de lágrimas enquanto você dormia e acordava ligando pra outro alguém. Eu tentava entender, eu tentava fingir que seria diferente, que comigo, com a gente, seria diferente. Só pra sacanear eu vou dizer a minha verdade, aquela verdade hiperbólica que eu gosto de criar.

Tantas vezes me vi rastejando por um terço de sentimento, por uma preocupação, por um boa noite, por um só dia ao teu lado. Eu mudei minha rotina, meus horários, um pedaço da minha vida. Eu vi num espelho quebrado meu rosto refletindo o seu, e não me via mais.

Só pra sacanear eu vou te contar os meus segredos dos últimos dias, do último mês. Esperava, ao menos, uma lágrima tua declarada, um sofrimento, ainda que sutil. Esperava, ao menos, uma carta de saudade, uma ligação embriagada no meio de uma madrugada inesperada. Pra me sacanear eu vou dizer que eu esperei demais.

Eu sinto falta do seu beijo e da forma como controlava todas as nossas coisas. Só por hoje eu não vou esconder nada, absolutamente nada. Numa ou noutra noite eu ainda fecho os olhos imaginando as nossas manhãs naquilo que era a nossa cama, um esconderijo, talvez.

Só pra sacanear não vou dizer que não espero te ver, nem fingir não ter medo. Eu ainda espero algo de você. Uma lágrima caindo bem diante de mim, um impulso seguido por um abraço forte, um beijo no meio da rua planejado em pensamento, um beijo na chuva.

Não te espero de volta. Pra ser bem sincera confesso não esperar um romance entre nós. Uma paixão dilacerante ao me ver chegar. Não espero.

Nunca mais li as cartas pra ti escritas e guardadas na minha carteira, temo sentir-me tão ridícula ao ponto de rasgar em migalhas e jogar ao vento. Temo não ter coragem suficiente para nunca te entregar.

Só pra sacanear, eu vou acender mais um cigarro enquanto escrevo. É pra soar dramático e exagerado mesmo, só pra sacanear. Vou comprar os livros que já leu, e gostar de todas as poesias sem melancolia que você gosta. Só pra sacanear vou ouvir um disco imbecil e cantar refrões sem sentido.

Pra me sacanear não vou me apaixonar mais uma vez, não vou insistir, nem conquistar. Pra me sacanear eu vou pensar em você mesmo você já não pensando em mim.

Eu estava tão certa quando você dizia ser loucura, quando você jurava de pés juntos ser amizade. Você nunca me enganou, era eu quem me enganava. Uma parte disso tudo foi eu quem criei nessa minha cabeça tola juvenil. A outra parte nós vivemos sentindo. Eu ainda sinto.

Sinto nunca ter te deixado quando dizia partir, sinto ainda mais ter voltado todas as vezes e ter sido perfeito. Sinto ter feito o melhor. Sinto por todas as vezes escritas nas entrelinhas e não ter causado o efeito pretendido. Sinto fazê-lo mais uma vez.

Eu não sei dizer olhando pro teu rosto que ninguém me fez sentir assim, ninguém me fez sacanear e falar a verdade. Isso tudo é apenas uma entrelinha. Uma sacanagem, uma infâmia disfarçada de verdade bruta, um sentimentalismo enorme disfarçado de verdade rude.

Só pra sacanear vou confessar todas as vezes em que fui rude, cruel, e grotesca somente para não cair no choro e implorar teu amor. Eu nunca quis te fazer chorar, mas esperava uma lágrima de desespero, uma lágrima de despedida. Eu não dizia pra não te sacanear.

Eu queria ir a um bar e ver teus olhos discretos procurando minhas feições, reparando meus goles, meus pés balançando. Eu queria nunca ter pedido que usasse óculos e tirasse as lentes.

Pra me sacanear eu vou pra tua cidade e lembrar dos nossos caminhos diários, dos minutos de espera, da angústia em dormir sozinha querendo você ao meu lado.Eu esperava ouvir meu nome ecoando da tua boca, e os riscos sendo deixados de lado por uma noite a mais, por um abraço a mais.

Hoje olhei as horas iguais e não pude evitar o aperto. Hoje o meu sono foi titubeado pela maldita vontade de te escrever às duas da manhã. Hoje eu esperei um sinal de espera, um sinal de uma alegre saudade. Esperei demais.

Só pra sacanear não vou contar nenhuma mentira. Não vejo mais troca de ‘eu te amo’ perdido entre lençóis. Não vejo teus amores todos pra mim.

Ainda ontem, ou há três meses atrás, foi o melhor aniversário que tive e estava sozinha, mas sentia tua voz e teu soneto no meu quarto. Ainda ontem eu planejava minhas viagens pra te ver.

Só pra sacanear eu vou dizer a verdade. Tens sido minha inspiração, mesmo tão longe dos meus braços e planos. Só pra sacanear eu vou te enviar, vou publicar e nunca, nunca mais, tocar no assunto.


terça-feira, 31 de março de 2009

Dedicatória

por Keissy Carvelli

Tantas luas se passaram

do seu último ‘eu te amo’.

Não lembro, ao menos,

qual fora o de adeus,

aquele saído dos teus olhos

e do teu coração.


Leio as dedicatórias

desses livros estúpidos.

Mas só há uma, uma!

De todos aqueles que me dera,

um tem poesia e teu nome

juntos

.

Tua letra redonda,

teu amor declarado,

tua inicial escondendo teu nome.


Tantas luas se passaram

e não ouço sequer a sua voz.


Há outra menina

pra quem teus sussurros

no meio da noite

atormentam o sono.

Há outra mulher

pra quem diz amores

e esconde paixão.


Não sei onde nos perdemos.

Talvez a falta de poesia,

de pele, tato, amor.


Sei onde eu te encontrava

e ainda me vejo perdida por lá

procurando, quem sabe, um olhar,

um sorriso teu que me fale de amor.

Ainda me vejo perdida

procurando esquecer uma saudade,

um olhar,

o sorriso teu que me falava do nosso amor.


Estes meus versos, meu amor

não são tristes.

Não há lágrimas correndo em meu rosto,

não há dor sufocando meu peito.


Estes meus versos, meu amor

são inteiros saudade.

E saudade, meu amor,

saudade dói mais que lágrima,

mais que ciúme de outra mulher.

Saudade, meu amor,

saudade.



domingo, 22 de março de 2009

Monólogo de um velho amor louco

por Keissy Carvelli

Eu procurava pelo brilho.

O brilho capaz de encontrar o meu sem nenhum ruído, com alguma dor. Não há brilho capaz de encher os olhos sem enchê-los também de lágrimas longas jogadas no travesseiro.

Eu procurava o brilho que só eu entenderia e saberia traduzir numa noite calma, seja ela de chuva ou estrelas. O brilho que me acordasse antes do sol nascer e não me deixasse dormir antes da lua morrer. O brilho das peles suando mesmo com a janela aberta, mesmo de olhos fechados.

Eu procurava pela intensidade na distância, na penetração das mãos, no mais fugas dos sorrisos. A intensidade ingênua e maliciosa de poses e posições singulares, de livros e sonhos divididos, de todas as vontades e orgulhos entendidos.

Eu procurava pelo silêncio mútuo, pelas risadas altas e sussurros sincronizados. Procurava de olhos atentos em todos os lugares em que pisava o grito discreto para a música certa, os fios do cabelo bagunçados para a dança incerta.

Procurei em becos perdidos, castelos em ruínas, em capitais planejadas, sujas, no interior de toda essa gente de palavras fáceis e paixões duras.

Acendo um cigarro, trago, solto a fumaça. O brilho desses olhos quase claros já se mostra fosco e cansado. Minha pele deforma minhas expressões, não submete qualquer impressão. Os fios do meu cabelo não têm mais cor, nem força, e nem sequer se movem em contratempo. Continuam estáticos e só quem dança são meus pés num ritmo desacelerado para não vencer o coração.

Música eu já não ouço. Todos os meus velhos discos trazem nostalgias de sorrisos e momentos daqueles amores quebrados dentro do peito que não deixa escapar uma só lágrima, mas deixa molhar por dentro.

Outro cigarro, mais uma ruga no rosto quieto e sereno. Mais uma partida não ganha de um jogo perdido e sem sentido. Velha. Velha. Velha.

Ouço minha voz rouca, minha tosse grosseira, minhas palavras de adeus. O tempo não espera a solidão de toda uma vida buscando somente o brilho. Meu relógio de pulso antigo eu já não sei onde foi parar. Nunca contei o tempo, contava amores, entre eles, as paixões. Eram as horas, os minutos e os segundos os suspiros saídos somente do meu pulmão.

Uma velha maldita por entre os anos e mulheres. Só eu ouvia os sinos tocarem sem ter uma religião, só eu dizia sobre amor sem tem qualquer relação. Era o brilho, a intensidade das minhas veias saltando pelo peito e por onde mais tivesse uma lembrança que me fizesse cantar sambas inteiros num só dia.

Mais um cigarro, dois tragos, solto a fumaça vagarosamente para inebriar todo esse vazio.

Não me encarem com esses olhos estranhos. Eu tive um amor. Não desses de filmes com trilhas sonoras contentes e formais. Era mais como um conto escrito numa madrugada, às vezes às pressas, outrora em meses seguidos. Tinha também uma trilha sonora bonita, suave, um blues pra mim, uma guitarra distorcida pra nós.

Foi um amor de encher os olhos do sublime ao grotesco; de sentir o calor forte na presença e a frieza mórbida da ausência, um amor de sentir saudade. Foi um amor de todas as fases. Começou criança, cheio de besteiras e graças; música para o beijo, poesia para a paixão, cartas escritas, absurdos trocados, dores caladas. Cresceu pelas pernas e gemidos abafados; pelo soneto, pela composição de todas as memórias, pelo desejo não controlado de tantas vezes perto e já não era mais o amor infantil. A conversa fria, racional, o adeus distante e cartas guardadas; a embriaguez escondida para não dizer infortúnios, dois sorrisos fechados daquilo que não era mais criança. Ninguém sabia e ninguém viu.

Eu tive um amor, mas quando ela se foi levou junto do seu peito o meu intenso brilho preso nos olhos e em suas mãos.


quarta-feira, 18 de março de 2009

Pronome Feminino

por Keissy Carvelli

Eu nunca soube não amar.

Amar, pra mim,

poeta de lágrimas

e risadas sarcásticas,

É brilhar os olhos

E hormônios.

É sorrir e gozar,

Tremer e suar

Sob o sol, lua, luar.


Eu nunca soube não amar

Com as mãos e coxas.

Com um suspiro

A cada porção de desejos.

Eu nunca soube amar sensata,

Sem dias, só madrugadas,

Poesia ou sonata.


Amor pra mim

Tem perfumes, estantes e discos.


Amor é toque

que foge da pele

E invade a carne;

Um toque dos sorrisos

sem antes sentir a pele.

Um toque de olhos fechados

e braços distantes,

De subjetivo, verbo, ação.


Amor pra mim,

poeta de lágrimas

e risadas sarcásticas,

São três suspiros

para cada segundo

do beijo.


domingo, 15 de março de 2009

Memórias de uma noite passada

por Keissy Carvelli

Porra, o que você tá fazendo? Você tá me perdendo e nem se importa, não liga, não xinga, não chora. Porra, será a saudade só minha? Essa nostalgia recente de todas as noites, da embriaguez, da turbulência estranha, são só minhas? Porra, menina, você ta me perdendo e nem percebe.

E agora vem esse menino de pouco mais de vinte anos e me diz essas coisas. Faz poesia, bossa nova, olha nos olhos, sente o meu perfume, mas é o teu cheiro que eu sinto. Ele diz que é paixão, encantamento, sei lá. Eu não quero ouvir. Era você quem deveria dizer todas essas coisas estranhamente apaixonantes.

Porra, o que você tá fazendo? Ele não tem os teus traços, não tem a tua pele, tua mão pequena. Ele não tem teus segredos, tua segurança, tua infância. Os teus livros ele tem, um pouco mais, talvez. Canta Vinícius, Raul, Chico, Cazuza. Canta qualquer coisa que soe bonito o suficiente nessas cordas, mas não tem tuas birras, tuas irritações.

Eu nem me reconheço mais, essa é a verdade. Não temos nada em comum, não temos a mesma paciência, a mesma vontade, os mesmos critérios. Não temos uma à outra. E agora vem esse menino de fios bagunçados, sorriso confuso, olhos fechados. Vem com essas poesias, e eu entendo. Vem com essas metáforas, e eu sorrio. Vem com essa paixão e eu não sinto.

Porra, você tá me perdendo e eu não quero. Eu sinto falta do teu beijo, do teu abraço, e não desses que eu encontro por aí. Sinto falta do teu sorriso, e dos teus olhos. Porra, você quer me perder.


quarta-feira, 11 de março de 2009

Estante vazia

por Keissy Carvelli


Eu vou tirar as tuas fotos da parede da minha casa pra não ver tuas digitais presas por onde quer que eu passe. Eu vou rasgar meus livros e deixar vazia a estante pros teus detalhes não perturbarem meu sono quase indecente de menina que dorme, mas não sonha. Eu vou esconder as cartas escritas e não mandadas; os discos eu vou riscar pra não te ouvir a cada letra; as frases e sonetos eu vou transformar em samba, choro e não assinar pro teu nome não ser descoberto pelo meu.

Eu vou guardar o violão e tocar uma gaita. Vou me desfazer dos teus presentes, vou desprezar Beatles e Sentimental. Café eu não tomo mais, cigarro eu fumo assistindo televisão; filmes eu não vejo para não concordar com a sua opinião.

A tua blusa eu uso pra te imaginar sem ela; os teus traços eu desenho ao acordar e o telefone eu já não espero tocar. O teu perfume eu ainda sinto por perto, a tua risada eu ouço no meu ouvido, o teu número eu ainda sei sem procurar.

Eu vou perder as músicas e escrever um livro. Teu nome eu posso esconder, te invento um outro qualquer, te deixo indefinida, quem sabe. Vou lançar de bom humor, sarcasmo e autodestruição. Eu sei que não gosta. Vou criar um outro final. Não! O final será o mesmo trecho do início. Assim. Eu vou te escrever um livro e você nunca vai saber.

A faculdade eu vou largar, mudar, sei lá. Vou te encontrar por acaso e fingir não te reconhecer. Vou te convidar para um café e pedir uma cerveja. Vou perguntar da sua vida e não contar absolutamente nada sobre a minha; vou estampar nos olhos nostalgias baratas sem você notar. Vou ser um clichê e parecer o contrário.

Eu vou rasgar meus livros e deixar vazia a estante pros teus detalhes não invadirem os meus dias inteiros. Eu vou fingir não sentir a sua falta.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Um pedaço escrito

por Keissy Carvelli


Pode gritar infâmias. Vai, pode chamar de puta essa menina estranha jogada na cama com olhos borrados da maquiagem da noite passada. Esbraveja meu nome pela janela e conta pro mundo inteiro todos os amores ditos no meu ouvido e diz o que você fez agora.
Pode me chamar de infantil, grosseira, grotesca, puta, ridícula, passional, hiperbólica. Grita bem alto. Eu quero ouvir tudo sair da tua boca. Todo o seu cansaço, toda a sua indisposição, o seu desamor eu quero ouvir de perto. Quero sentir o perfume da tua indiferença em silêncio, bem aqui, afogada nessa cama estúpida, com esses olhos estúpidos borrados, esse esmalte pela metade, e essa ressaca presa nos fios do meu cabelo.
Olha bem pra mim, meu amor. Diz todos os seus pensamentos rudes sobre mim, eu posso sentir você tremer os lábios desejando jogar todos eles na minha cara. Não, não, não. Você não faria isso, não é? Talvez você me queira no mês seguinte, talvez sinta a minha falta antes de dormir e não soaria bem me pedir pra voltar diante de tantos adjetivos empregados grosseiramente.
Pode me acusar das tuas loucuras, de traição, exagero, desapego. Me acuse de erros gramaticais, pronome oblíquo não inicia frase. Rasgue minhas cartas, apague meus poemas, minhas músicas. Diz com a tua frieza que não sou o que você quer, que sou estúpida, neurótica, ignorante.
Apague todos os meus indícios, e as tuas saudades. Esqueça das nossas manhãs e nossos risos; esqueça as mãos dadas timidamente e todos os minutos em que olhei pro teu rosto pra não esquecer na distância. Me chame de puta neurótica e esqueça nossas brigas e nosso sexo.
Não lembre mais do meu imperativo irritante, das minhas gírias, da minha voz, do meu suor. Esqueça qualquer coisa que te faça lembrar de mim. Pode esquecer também nossa única noite, nossa único filme não visto, nossos muito cigarros e as flores tão clichês que eu roubei dos canteiros da cidade.
Esqueça o amor-perfeito, o suco, e as esperas na porta do prédio onde você trabalha. Deixe passar os abraços fortes de despedidas, e os abraços fortes de reencontro. Não encoste mais em parede alguma para não sentir o meu corpo junto do teu e não feche os olhos, amor. Não feche os olhos para não me sentir segurar teu rosto e beijar tua boca.
Esqueça tudo, esqueça até meu nome, meu amor. Deixe, ao menos, essa parte pra mim. Deixe eu fazer o que quiser com esses fragmentos de coisa alguma; deixe eu me perder em poesias e pensamentos melancólicos pelo tempo que me for necessário. Deixe as saudades, as brigas, os beijos e afagos pra mim. Não pretendo ser rude, meu amor, mas eu quero até mesmo o meu egoísmo de volta. Deixe eu me querer de volta. O que é nosso eu já não posso mais querer.