terça-feira, 21 de abril de 2009

Só pro teu prazer

por Keissy Carvelli

Puxe meu cabelo, me olhe nos olhos e diz que sou tudo o que você quer apenas por uma noite, somente. Puxe meu cabelo e me olha com esses olhos de quem precisa de carinho, mas só conhece o sexo, e vai embora sem dar adeus.

Encoste-se em meu rosto e me toque de olhos fechados pelo tempo que quiser, e me faz provar dos teus sabores, seu desamores, seus gemidos e sussurros. Coloque-me na minha cama e cubra-se com meu lençol e me faz tremer para depois sorrir de triunfo.

Encontre minhas pernas sob a calça com apenas uma mão e deite a esquerda em meu cabelo negro e deixe-o embaralhar-se junto ao teu, e às bocas, e desejos e prazer. Deixe tua boca encostar minha pele e use qualquer palavra doce que possa tornar poético o pecado dos corpos.

Sinta-me por dentro como nunca sentiu outro alguém e encontre teus medos perdidos entre estes meus sentimentos, essas suas confusões e esse meu apego. Sinta-se na minha cama, no meu perfume, no meu colchão. Sente-se ao meu lado e me faça deitar ao teu.

Procure no teu travesseiro os vestígios do meu, e acorde precisando de homem, sexo, gozo para se esquecer dos nossos cabelos juntos, jogados ao sono.

Me use por uma noite, um mês. Me use para o teu sexo, a tua diversão, finja ser paixão e eu vou acreditar, para saciar o teu descontrole, e a tua insegurança. Encontre outros lábios por perto dos teus e não tão longe dos meus e me faça ver cada detalhe dos teus carinhos.

Me procure em qualquer madrugada cheia das tuas solidões disfarçadas de desprezo e pretensão, me conte do seu dia, dos teus risos, suas manias. Me conte sobre sua família enquanto me dá as mãos para fugir do frio e acenda um cigarro pra fumar comigo.

Esqueça as horas, a rua, a lua, e espere o sol nascer ultrapassando a cortina do meu quarto com teu corpo em transe jogado sobre o meu. E me esqueça, me esqueça rápido, antes que eu não possa mais te esquecer.


segunda-feira, 20 de abril de 2009

Alice e a estação

por Keissy Carvelli

A confusão de vozes estranhas tomava todo aquele imenso saguão sem visão do fim. Luzes brancas se embaralhavam entre os faróis vermelhos de tempo em tempo, ofuscando o olhar de toda aquela gente de rostos e feições efêmeras.

Eram segundos e mais segundos marcados por tantas expressões, e o tempo já não sabia se era ele quem brincava com os corações, ou vice versa. Até o tempo parecia entrar naquela confusão, naquelas vozes.

Alguns sorrisos se abriam com a chegada. As malas em mãos sofriam o peso da saudade e caiam ao chão, dando espaço para um abraço, um aperto de mão, um gesto sem graça ou intenso.

Alguns olhos molhados sussurravam ‘eu te amo’ quase em silêncio com a partida. As malas já guardadas sofriam o peso da saudade, dando espaço para um último beijo, um abraço reticente, mãos entrelaçadas.

Idas e vindas marcadas por diversos rituais complementares. Uma ou outra vez quem deixava derramar uma lágrima tímida ainda iria abrir um sorriso às quatro da manhã querendo dizer a toda estação rodoviária o nome de quem chega. Os sorrisos, mais segundos, menos segundos, iriam ceder lugar aos olhos tristes e saudosos. Toda estação tem sua rotina.

A menina de mochila grande nas costas não sorria. Também não levava nos olhos marca alguma de tristeza, ou sal. Nas mãos nenhum presente, nenhum bilhete. Apenas uma blusa enrolada num dos braços para caso o frio surgisse em meio à madrugada. Talvez chamasse Alice. Tinha no rosto um desses nomes fortes, mas talvez não fosse tão simples assim, não poderia saber ao certo. Apenas carregava nas costas uma mochila, nas mãos uma blusa e um cigarro. Nenhuma carta, flor, nenhum indício para onde iria. Mas voltaria, era certo.

Alice, que provavelmente não tinha esse nome, tinha nos olhos algo diferente. Esperava, assim como todos ali, por algo. Não simplesmente o próximo ônibus, ou o abraço de despedida. Não era isso, e eu podia sentir, mesmo de longe. Esperava por algo muito maior, uma epifania de arrepiar de pele, quem sabe.

Estalou os dedos algumas vezes, aposto que cantava algum samba em pensamento e sorria quando percebia estar em plena multidão. Uma multidão entre abraços e ela ali, só. Completamente só.

Tirou do bolso o único bilhete escondido que levava, sem nome nem letra a mão. As letras impressas diziam, certamente, para onde iria, mas não arrisquei olhar. Sabia, pelos olhos, que iria para onde pertencia, e pertenceria ao resto do mundo, não muito longe. Alice, Alice, Alice...Subiu os três ou quatro degraus, procurou o número de sua poltrona, esticou as pernas, vestiu a blusa outrora em mãos e se perdeu entre pensamentos pela janela e estrada.

Alice, Alice, carregava nas costas uma mochila, nos braços uma blusa para caso o frio da madrugada surgisse, numa das mãos um cigarro e só.


quarta-feira, 1 de abril de 2009

Por uma madrugada

por Keissy Carvelli

Só pra sacanear, essa madrugada eu vou falar a verdade. Sem metáforas, nem ironias, nem poesia, rima, subjetividades. Só pra sacanear, eu vou falar a verdade.

Te acho estúpida pelos teus desamores cometidos, pelas frases ditas, pelo silêncio ridículo, pelo distúrbio de temperamento. Me acho ainda mais estúpida pelas tentativas vagas, pelas noites escritas, pelas loucuras feitas somente por um segundo dos teus olhos.

Acho ridículo o final escrito por você sem qualquer lirismo, mas gosto de como está. Não suportava te dividir com teus egoísmos, tuas meninas, teus meninos, tua insegurança tão bem disfarçada de prepotência. Não suportava não me enxergar longe de você e não suporto me enxergar tão perto de você sem os nossos cigarros seguidos de beijos, ou tanto faz.

Só pra sacanear eu vou te dizer o quanto eu me sinto livre pra fumar o que eu quiser, pra escrever qualquer porcaria estúpida e publicar onde eu bem entender. Eu ainda estremeço por dentro como da primeira vez e quase não sei explicar, se não for por linhas tortas e olhos baixos.

Eu tentava entender todos os teus desatinos e por quantas vezes me joguei numa cama com os olhos cheio de lágrimas enquanto você dormia e acordava ligando pra outro alguém. Eu tentava entender, eu tentava fingir que seria diferente, que comigo, com a gente, seria diferente. Só pra sacanear eu vou dizer a minha verdade, aquela verdade hiperbólica que eu gosto de criar.

Tantas vezes me vi rastejando por um terço de sentimento, por uma preocupação, por um boa noite, por um só dia ao teu lado. Eu mudei minha rotina, meus horários, um pedaço da minha vida. Eu vi num espelho quebrado meu rosto refletindo o seu, e não me via mais.

Só pra sacanear eu vou te contar os meus segredos dos últimos dias, do último mês. Esperava, ao menos, uma lágrima tua declarada, um sofrimento, ainda que sutil. Esperava, ao menos, uma carta de saudade, uma ligação embriagada no meio de uma madrugada inesperada. Pra me sacanear eu vou dizer que eu esperei demais.

Eu sinto falta do seu beijo e da forma como controlava todas as nossas coisas. Só por hoje eu não vou esconder nada, absolutamente nada. Numa ou noutra noite eu ainda fecho os olhos imaginando as nossas manhãs naquilo que era a nossa cama, um esconderijo, talvez.

Só pra sacanear não vou dizer que não espero te ver, nem fingir não ter medo. Eu ainda espero algo de você. Uma lágrima caindo bem diante de mim, um impulso seguido por um abraço forte, um beijo no meio da rua planejado em pensamento, um beijo na chuva.

Não te espero de volta. Pra ser bem sincera confesso não esperar um romance entre nós. Uma paixão dilacerante ao me ver chegar. Não espero.

Nunca mais li as cartas pra ti escritas e guardadas na minha carteira, temo sentir-me tão ridícula ao ponto de rasgar em migalhas e jogar ao vento. Temo não ter coragem suficiente para nunca te entregar.

Só pra sacanear, eu vou acender mais um cigarro enquanto escrevo. É pra soar dramático e exagerado mesmo, só pra sacanear. Vou comprar os livros que já leu, e gostar de todas as poesias sem melancolia que você gosta. Só pra sacanear vou ouvir um disco imbecil e cantar refrões sem sentido.

Pra me sacanear não vou me apaixonar mais uma vez, não vou insistir, nem conquistar. Pra me sacanear eu vou pensar em você mesmo você já não pensando em mim.

Eu estava tão certa quando você dizia ser loucura, quando você jurava de pés juntos ser amizade. Você nunca me enganou, era eu quem me enganava. Uma parte disso tudo foi eu quem criei nessa minha cabeça tola juvenil. A outra parte nós vivemos sentindo. Eu ainda sinto.

Sinto nunca ter te deixado quando dizia partir, sinto ainda mais ter voltado todas as vezes e ter sido perfeito. Sinto ter feito o melhor. Sinto por todas as vezes escritas nas entrelinhas e não ter causado o efeito pretendido. Sinto fazê-lo mais uma vez.

Eu não sei dizer olhando pro teu rosto que ninguém me fez sentir assim, ninguém me fez sacanear e falar a verdade. Isso tudo é apenas uma entrelinha. Uma sacanagem, uma infâmia disfarçada de verdade bruta, um sentimentalismo enorme disfarçado de verdade rude.

Só pra sacanear vou confessar todas as vezes em que fui rude, cruel, e grotesca somente para não cair no choro e implorar teu amor. Eu nunca quis te fazer chorar, mas esperava uma lágrima de desespero, uma lágrima de despedida. Eu não dizia pra não te sacanear.

Eu queria ir a um bar e ver teus olhos discretos procurando minhas feições, reparando meus goles, meus pés balançando. Eu queria nunca ter pedido que usasse óculos e tirasse as lentes.

Pra me sacanear eu vou pra tua cidade e lembrar dos nossos caminhos diários, dos minutos de espera, da angústia em dormir sozinha querendo você ao meu lado.Eu esperava ouvir meu nome ecoando da tua boca, e os riscos sendo deixados de lado por uma noite a mais, por um abraço a mais.

Hoje olhei as horas iguais e não pude evitar o aperto. Hoje o meu sono foi titubeado pela maldita vontade de te escrever às duas da manhã. Hoje eu esperei um sinal de espera, um sinal de uma alegre saudade. Esperei demais.

Só pra sacanear não vou contar nenhuma mentira. Não vejo mais troca de ‘eu te amo’ perdido entre lençóis. Não vejo teus amores todos pra mim.

Ainda ontem, ou há três meses atrás, foi o melhor aniversário que tive e estava sozinha, mas sentia tua voz e teu soneto no meu quarto. Ainda ontem eu planejava minhas viagens pra te ver.

Só pra sacanear eu vou dizer a verdade. Tens sido minha inspiração, mesmo tão longe dos meus braços e planos. Só pra sacanear eu vou te enviar, vou publicar e nunca, nunca mais, tocar no assunto.