quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Letra e Platão

por Keissy Carvelli

Perdia os sentidos.
Exilava seus toques ausentes
Pelo vão da porta fechada
Enquanto deixava a voz entrar
Suave e doce
Por entre o tapete da sala-de-estar.

Chantageava em tom arrogante
A falta de controle
Penetrante e insegura,
Tão embriagada de prazer
Capaz de fazer sonhar em sonos,
Sorrir em gestos, musicar em estrofes,
Indagar em melodia.

Perdia os sentidos.
Constatava a cada segundo
O efeito sutil
Do aroma de seus traços
Tocando-a por dentro
Feito uma criança
Em dia de sol e céu aberto.

Fechava os olhos.
Não encontrava os motivos
De tantos suspiros longos
E desastrados.
Fechava-se
E se contorcia da ilusão
Triste e encantadora
De tocar-lhe os lábios.

Cerrava os olhos.
Perdia os sentidos.
Destoava das cenas mórbidas
De seus dias inválidos.
E aquela paixão discreta,
Platônica e tão pura
Silenciava os ruidos
Da solidão.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Amém

por Keissy Carvelli

Já era por volta das 22:30 de uma terça-feira não muito quente, contrariando o verão típico de janeiro. Encontrava-me numa dessas cadeiras azuis, ou cinzas, cuja função é singularmente caracterizar uma rodoviária. As cadeiras são, de fato, a alma deste lugar dos vai e vens.
Meus olhos e meu aspecto cadavérico deixavam explícito o excesso de sono, e as doze longas horas de viagem até aquele familiar lugar. Todavia, tal fisionomia não foi capaz de espantar um desses bêbados que sempre aparecem quando você está cansada, com fome, sem paciência e na rodoviária.
Num súbto momento contou sua história e logo me pediu algum trocado qualquer, não sei ao certo se os fatos ditos eram verdadeiros ou não e, pra mim, pouco importava sua veracidade. O que eu via naquele homem surrado, sujo da vida, era um pouco mais.
Tirei do bolso e entreguei ao homem míseros cinquenta centavos que, numa tarde de domingo, comprariam alguns chicletes, ou completaria o dinheiro da minha cerveja e nada mais. Talvez ele tenha trocado o dinheiro por uma dose de pinga, de esquecimento; talvez ele tenha jogado no balcão encardido de um boteco aquela moeda fria num gesto de "foda-se" o que é o mundo; ou talvez ele tenha comprado a passagem que outrora me disse precisar. Não sei, e não preciso saber.
Voltando ao ato de uma cretina solidaridade. Entreguei a moeda ao homem das roupas de trapo e pés descalços e logo senti, numa hipocrisia medíocre, como se tivesse mudando o mundo. Os olhos pequenos daquele homem quase não pode crer em tal ato e, em transe, pôs-se a falar sobre Deus. Tagarelou por alguns minutos enquanto eu suplicava em silêncio sua retirada dali.
Não sentia medo, não. Não havia motivo. Eu sentia vergonha. Vergonha de estar ouvido o quanto eu era abençoada por Deus só por ter cedido ao rapaz míseros cinquenta centavos. Ele soltava palavras como "bríbria", Deus, benção e destinava todas a mim; colocou-me num santuário por rídiculos cinquenta centavos.
Talvez aquela moeda tenha sido a última dose da noite, ou o ínicio de uma série delas desencadeando sofrimentos alcóolicos, ou coisa que o valha.
O miserável de tudo é que fui abençoada pelo resto da minha vida pelos estúpidos cinquenta centavos. Estúpida moeda, amém.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Ao cair a noite

por Keissy Carvelli

Aqui do outro lado faz frio. Um friozinho suficiente para vestir calça de abrigo e meias, nada além. A casa é vazia fazendo com que o silêncio da solidão soe ensurdecedor, capaz de estourar os tímpanos daqueles que continuam por lá.
Não acho que seja poético esse lado apaixonante exibido com precisão e um bom cálculo. Acho ainda menos lírico a minha vulnerabilidade diante de qualquer demonstração de apreço, de afeto, ainda que não coexistam com os afagos matinais envolvidos por beijos e bocejos.
Aqui do outro lado consigo driblar a falta de geladeira, fogão, comida caseira. Aqui do outro lado só não descobri como lidar com a solidão.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Desfoque

por Keissy Carvelli

Eu teria mil motivos cretinos para escrever. Eu poderia me jogar sobre esse computador e debruçar em hipérboles patéticas num relato detalhado dos meus últimos fracassos e pessimismos.
Todas as locuções parecem prontas para serem despidas do mental, caindo em terra, folhas, e histórias. Eu poderia curar meu sono pelas Mil e Uma Noites batendo os dedos nessas teclas sem tirar os olhos do que faço. Eu poderia, mas não vou.
Falta-me paciência, disposição e, sem dramatizar, acredito que, mais uma vez, colocar em palavras bonitas a merda de uma, duas, cinco decepções não será capaz de mudar sequer uma vírgula de lágrima e/ou inércia.
Minha vida pessoal e inter pessoal é de uma inexistência monótona. A situação familiar mantém-se numa montanha russa, com todo o paradoxo que isso possa inferir. Minha vida pseudo profissional é um lixo, já que, após um ano de curso pré-vestibular, tudo o que eu faço é manter um blog egocêntrico.
Não há brigas por telefone; beijo; sexo; ciúmes. Não existe compreensão; tolerância; conversa. Não sou bixete de curso algum - ao menos por enquanto, e assim eu espero que seja-; não há nome em lista; tinta; planos de mudança.
Os antigos amigos me irritam, os antigos erros me sufocam, os novas expectativas me envergonham. Sinto-me como o lixo recolhido e prensado.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Nelson Rodrigues

por Keissy Carvelli

Não tenho motivos pessoais ou históricos para a auto-estima

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Murphy - The Lord!

por Keissy Carvelli


"Quis manter meus pés no chão, escorreguei do mesmo jeito"

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Rabiscando

por Keissy Carvelli

Há algumas horas de entrar pro grupo seleto dos pseudo adultos com a minha mais nova idade - nem tão nova assim- entro na escolinha posicionada em frente a minha casa desde sempre. Passei alguns bons anos por lá com as tias, e os recreios; o escorregador, o gira-gira e, não menos importante, o muro que separava a casa da tia Márcia - dona e professora da escola- do corredorzinho onde ficávamos todos sentadinhos com lancheiras em mãos cantando esperando a hora de ir embora.
Logo quando bati meus olhos da porta até o fundo da escola, onde ficam os banheiros, fui tomada por uma nostalgia que me arrepiou até os ossos e, enquanto minha mãe conversava com a tia Márcia, fui passando os olhos por todos os detalhes. Observei os brinquedos novos, as cores colocadas nos brinquedos velhos, as cadeirinhas e mesinhas, e por fim percebi que aquele antigo escorregador estava pequenininho de mais; o muro não era impecilho para minha vista chegar até a casa da tia; as cadeiras não seriam capazes de suportar metade de mim; e que eu não seria mais capaz de caber no gira-gira.
Todavia, logo percebi que os brinquedos continuavam os mesmos em suas medidas, diferenciando apenas algumas cores; e que o muro não havia encolhido bem como as mesinhas e cadeirinhas, e que nada, absolutamente nada dali havia diminuido: fui eu, aquela pirralhinha loirinha, quem cresceu.

Escarro

por Keissy Carvelli

Inferno! Que um raio parta
E desfaça tudo:
Do amor ao ódio,
Do ócio ao ópio,
Da fragilidade a prepotência
Infame dos apaixonados;
Dos mal amados; idolatrados;
Mal sucedidos; bem comidos;
Sutis e frívolos!

Um escarro percorre meu rosto
Sem toque doce; beijo de partida.
Não há chegada.
O tédio quente das noites mal resolvidas,
Do sexo não vivido,
Do tiro incerto a lugar algum
Cospe em solo preto
O teor miserável desses dias,
Dessas estações invertidas
E entretidas com sol, chuva e solidão.

Não levo porrada, nem zelo;
Não há embaraços nem afagos
Em meus cabelos.
A ironia é mantida em desespero
Enquanto o sorriso se faz
Pelo excesso de álcool,
Pela falta de cigarro,
Pelas promessas fervorosas,
Rezas, preces, sussurros, lágrimas,
Dias de cão.

Inferno! Que um raio parta
E desfaça tudo;
Traga-me um livro;
Exiba-me uma vitória;
Conceda-me um beijo,
Uma pele, uma paz.
Que um raio parta
E desfaça tudo,
Mas deixei o tudo aqui,
Um pouco mais perto de mim.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Conversa de Botas Batidas

por Keissy Carvelli

Eu: o pior não é dar conselhos para uma menininha de 11 anos sobre fim de namoro, o pior é saber que ela tem um relacionamento sólido e eu não!

Ela: que mané sólido o que. Cocôs são sólidos, logo...

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Desilusão temporal

por Keissy Carvelli


Dou conselhos para uma priminha de 11 anos sobre o término do namorico dela e, por Deus, nem isso eu tenho. É mesmo desagradável estar perto dos seus 19 anos e ter que discorrer sobre os procedimentos amorosos pós-decepção com uma garotinha que há dias estava em seu colo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Simpatia

por Keissy Carvelli

O ano logo começou e nada de planos nem promessas, quero mesmo é uma agenda nova. Ficar sem escrever qualquer bobagem antes de dormir é como não fazer xixi ao acordar: anti rotina.