sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Por um fio

por Keissy Carvelli


Desci as escadas como se voasse sobre a cidade inteira, tendo em minha frente uma luz opaca de fim de tarde, aquela que diz que está cedo de mais para os sentimentalismos e tarde o bastante para qualquer bocejar de sonos esquecidos. Em uma das mãos um cartão, na outra um aparelho moderno, desses que desfaz a distância, e, no pequeno espaço entre aquela quase lágrima e um pequeno sorriso, uma distração.
Ainda de roupas velhas botei os pés pela rua sem qualquer possibilidade de timidez e logo meus dedos discavam aqueles números tão fáceis já gravados numa memória detalhista. Alô? Quem fala? A voz segura e impostada respondeu sem titubear nem demonstrar qualquer fragilidade. Identifiquei-me não pelo nome, não por um apelido, deixei apenas que escutasse o timbre que define minhas palavras e naquele exato momento aquela segurança que outrora me atendera dava espaço ao tremor doce daqueles suspiros.
Por pouco, muito pouco, não senti aquela lágrima presa do outro lado da linha escorrer pelo rosto pequeno e logo cair em meus dedos. Por pouco ela não se entregou à minha voz. Essa voz às vezes rouca, às vezes irritante; essa voz que imprimi poucos sons não ritmados quase provocou o choro sufocante, quase trouxe para os meus braços a fragilidade inteira daquela que tomava meus pensamentos.
Não. Não fui a causa. Seria desprezível provocar nela sequer um soluço triste. Fui tão somente o apego, o colo ainda que invisível; fui a preocupação e o desejo de amenizar. Fui somente aquilo que eu já era, e por alguns minutos fui o abraço imaginário.

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