sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A Pequena Dos Sonhos

por Keissy Carvelli

Ela escrevia incansavelmente sobre amor, paixão, solidão e cultivava em seu interior um álbum completo de frases bobas que surgiriam sem critérios nem planejamentos. Ela sonhava feito uma criança na pré-escola, via borboletas por entre as flores, andava pelas ruas calmas do seu bairro, onde o vento batia suave fazendo mexer as folhas de todas aquelas árvores. Ela não ouvia nada, nenhum ruído a não ser o cantar dos pássaros que enfeitavam o seu jardim, e ah... essa menina dos sonhos poderia passar horas observando seu jardim verde e cheio de pétalas, brincadeiras, lembranças. A Dos Sonhos era exatamente assim: um jardim calmo e calado, sussurrando poesias quando o sol caía, sendo abrigo para pássaros e borboletas efêmeros que num instante estavam ali, pousando sobre a grama, e no instante seguinte levantavam vôo num adeus ligeiro, sem abraços nem apegos. A Dos Sonhos era esse jardim.
Aquela, a outra: A Pequena, vou chamar assim, não escrevia sobre amor e raras vezes demonstrava uma melancolia mórbida. Ela era doce, encantadoramente doce, como se sua quase ingenuidade soasse pelos seus olhos da forma mais pura que pudesse existir. Ela não sonhava muito, gargalhava mais, talvez por medo, por timidez. Talvez suas risadas eufóricas fossem a máscara perfeita para toda a proteção: oras, ela era pequena, e toda pequena teme se machucar. Vivia entre as gentes, carros. Seus ouvidos eram bem acostumados a todo esse barulho de vida; seus passos conheciam ônibus, frio, chuva, céu nublado. Ah, A Pequena, era como um parque de diversões: sempre alegre, inundada de atrações, pessoas, amores suplicados, amores não entendidos, rodas gigantes, montanhas russas. A Pequena era esse parque de diversões.
A Dos Sonhos tinha mais certezas do que ações, desenvolvia teorias incríveis sobre como, quando e o porque de todas as coisas que poderia ou não sentir. Ela analisava o perfil de todos os candidatos da próxima eleição e não a perderia por nada: ela amava política, e sempre pensou em se candidatar a algum cargo, não fosse pelos esquemas medíocres que isso implicaria. A Pequena não. Ela pensava em casar e ter filhos com o menino mais lindo do mundo que entenderia seus ciúmes e cairia em seus jogos de provocações sempre tão previsíveis e intrigantes. A Dos Sonhos também queria um casamentos, filhos, família, viagens, entretanto não com o menino mais lindo do mundo.
A Dos Sonhos era um extremo, A Pequena um quase equilíbrio. Elas talvez exibissem algum complemento.
Elas tinham idéias de amores distintas, desejos de amores distintos, medos de amores distintos, seguranças, auto-estima distintas. Elas eram mesmo distintas. Em comum o signo, ainda que A Pequena não acreditasse muito nessas coisas de zodíaco e combinações. Suas magias eram distintas.
A Dos Sonhos era tão inconseqüente ao ponto de querer A Pequena todo o tempo, ao ponto de perder madrugadas imaginando um só beijo e então tudo faria sentido. Ela era mesmo uma inconseqüente. Avisem A Dos Sonhos para ela ter cuidado, A Pequena não se entrega assim. Avisem! Corram! Quem sabe haja tempo o suficiente. Tarde de mais. Elas, nas incompatibilidades, encontraram-se pelo destino quebrado de uma e pelas vitórias da outra. Transformaram todas as birras, e brincadeiras, e distrações numa forma incrivelmente encantadora de falar sobre sentimentos.
A Dos Sonhos escrevia incansavelmente sobre a vontade terna de ter A Pequena sob seus olhos, seus risos. A Dos Sonhos não fazia a menor idéia do que poderia acontecer, e fazer idéia alguma era se precipitar em demasia.
A Dos Sonhos e A Pequena não eram opostos, nem tão iguais assim. Elas eram A Dos Sonhos e A Pequena, e tudo mais que isso poderia significar.

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