domingo, 22 de março de 2009

Monólogo de um velho amor louco

por Keissy Carvelli

Eu procurava pelo brilho.

O brilho capaz de encontrar o meu sem nenhum ruído, com alguma dor. Não há brilho capaz de encher os olhos sem enchê-los também de lágrimas longas jogadas no travesseiro.

Eu procurava o brilho que só eu entenderia e saberia traduzir numa noite calma, seja ela de chuva ou estrelas. O brilho que me acordasse antes do sol nascer e não me deixasse dormir antes da lua morrer. O brilho das peles suando mesmo com a janela aberta, mesmo de olhos fechados.

Eu procurava pela intensidade na distância, na penetração das mãos, no mais fugas dos sorrisos. A intensidade ingênua e maliciosa de poses e posições singulares, de livros e sonhos divididos, de todas as vontades e orgulhos entendidos.

Eu procurava pelo silêncio mútuo, pelas risadas altas e sussurros sincronizados. Procurava de olhos atentos em todos os lugares em que pisava o grito discreto para a música certa, os fios do cabelo bagunçados para a dança incerta.

Procurei em becos perdidos, castelos em ruínas, em capitais planejadas, sujas, no interior de toda essa gente de palavras fáceis e paixões duras.

Acendo um cigarro, trago, solto a fumaça. O brilho desses olhos quase claros já se mostra fosco e cansado. Minha pele deforma minhas expressões, não submete qualquer impressão. Os fios do meu cabelo não têm mais cor, nem força, e nem sequer se movem em contratempo. Continuam estáticos e só quem dança são meus pés num ritmo desacelerado para não vencer o coração.

Música eu já não ouço. Todos os meus velhos discos trazem nostalgias de sorrisos e momentos daqueles amores quebrados dentro do peito que não deixa escapar uma só lágrima, mas deixa molhar por dentro.

Outro cigarro, mais uma ruga no rosto quieto e sereno. Mais uma partida não ganha de um jogo perdido e sem sentido. Velha. Velha. Velha.

Ouço minha voz rouca, minha tosse grosseira, minhas palavras de adeus. O tempo não espera a solidão de toda uma vida buscando somente o brilho. Meu relógio de pulso antigo eu já não sei onde foi parar. Nunca contei o tempo, contava amores, entre eles, as paixões. Eram as horas, os minutos e os segundos os suspiros saídos somente do meu pulmão.

Uma velha maldita por entre os anos e mulheres. Só eu ouvia os sinos tocarem sem ter uma religião, só eu dizia sobre amor sem tem qualquer relação. Era o brilho, a intensidade das minhas veias saltando pelo peito e por onde mais tivesse uma lembrança que me fizesse cantar sambas inteiros num só dia.

Mais um cigarro, dois tragos, solto a fumaça vagarosamente para inebriar todo esse vazio.

Não me encarem com esses olhos estranhos. Eu tive um amor. Não desses de filmes com trilhas sonoras contentes e formais. Era mais como um conto escrito numa madrugada, às vezes às pressas, outrora em meses seguidos. Tinha também uma trilha sonora bonita, suave, um blues pra mim, uma guitarra distorcida pra nós.

Foi um amor de encher os olhos do sublime ao grotesco; de sentir o calor forte na presença e a frieza mórbida da ausência, um amor de sentir saudade. Foi um amor de todas as fases. Começou criança, cheio de besteiras e graças; música para o beijo, poesia para a paixão, cartas escritas, absurdos trocados, dores caladas. Cresceu pelas pernas e gemidos abafados; pelo soneto, pela composição de todas as memórias, pelo desejo não controlado de tantas vezes perto e já não era mais o amor infantil. A conversa fria, racional, o adeus distante e cartas guardadas; a embriaguez escondida para não dizer infortúnios, dois sorrisos fechados daquilo que não era mais criança. Ninguém sabia e ninguém viu.

Eu tive um amor, mas quando ela se foi levou junto do seu peito o meu intenso brilho preso nos olhos e em suas mãos.


2 comentários:

M disse...

Quando cheguei ao fim tive vontade de voltar ao começo e reler.Mais uma vez o clichê : " Adorei o texto" =)

Anônimo disse...

incrível. totalmente demais.