sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Uma dessas partidas

por Keissy Carvelli

Segunda-feira, cinco horas. O céu ainda tão escuro e o velho rádio relógio já desperta com alguma música tão velha quanto o objeto, tão cansada quanto aquela rotina.
Faz café, mas não faz barulho; come o pão com manteiga, o café com leite, os olhos com sono acostumados a acordar antes mesmo do sol. É tão cedo, tão cedo. Já é tarde, o relógio sempre adiantado não falha. Nos ombros a bolsa pesada, nos braços as pastas, papéis, o fardo.
Pega ônibus, lotado, já são seis, já são anos assim. Quarenta, cinquenta, sessenta minutos, cinquenta e uma rugas, quatorze horas de trabalho, dezoito em pé. A mesma roupa, a comida longe de casa, as pernas inchadas, o sorriso rosto.
Terça, quarta e o resto da semana assim. Às dez e meia passadas do meio dia toca a campainha. Casa. O marido dorme, o filho não responde, nem oi, nem olha; a filha longe, às vezes ao telefone. Não reza, os olhos carem antes mesmo do primeiro verso, do último 'amém'. A tv desligada, o corpo coberto, o velho rádio relógio contando o tempo para logo despertar mais uma vez.
Sábado e domingo não tem cinema, restaurantes, nem passeio no parque não. Sessenta minutos do mesmo ônibus, seis horas de outro trabalho, almoço com a família e o resto com olhos apagados e tv ligada.
Cinquenta e um anos, oitenta e quatro horas por semana, dois filhos, setenta funcionários, mil e qquatrocentos alunos, dois mil e quinhentos reais por mês.

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