quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Vitrola de menina

por Keissy Carvelli

Não era nem nove da manhã e já acordava com um cigarro em mãos contrariando suas próprias regras. Abriu uma pequena fresta na janela escura deixando o sol quente incomodar os olhos claros e inchados de tanta lágrima da noite passada.
No chão algumas folhas escritas e amassadas explicavam uma parte do que era sentido por dentro. Cartas não escritas, tentativas infundadas de uma cama vazia, versos exagerados de mãos trêmulas e papel molhado.
A agulha da vitrola recém comprada tocava um rock desses solitários. Era blues, jazz, rock, tanto faz. Era Break On Through; era The Doors; era ela, Alice.
Checou a correspondência, a secretária eletrônica, os e-mails, as mensagens. Nada. Ameaçou discar aqueles números no telefone ao lado, mas desistiu antes mesmo de chorar. E foi assim que voltou a cair na cama, aos prantos. Um choro de criança, ainda que silencioso. Lágrimas que caiam por dentro, lágrimas que caiam só, num dia quente de verão.
A música ainda soava alta. Cada solo de guitarra parecia entrar em compasso com os soluções de Alice. Quase três minutos sofridos após um ano.
Lembrava dos planos para o mês seguinte, o final do ano, o final de semana. O presente escolhido com cuidado mantinha-se em cima da mala desordenada com o mesmo zelo de quando fora pensado. Alice sabia que ela abriria um largo e doce sorriso diante da caixa colorida. Alice não esqueceria esse sorriso e abriria um também para que se completassem como nos filmes.
Perguntava agora, de olhos abertos, qual era o plano. O carnaval da semana seguinte, a próxima cerveja no bar da faculdade; o próximo conto escrito, o livro comprado. Perguntava Alice qual plano lhe restava. A próxima música do disco?
A agulha arranhou de leve o vinil mudando o ritmo da canção. Alice temeu ser a última do lado a. Era. The End, Ther Doors, onze minutos de um ano inteiro, de um amor inteiro. Era ela, Alice. Eram elas. Era ela sem Alice, era Alice sem ela.

Um comentário:

diana stivelberg disse...

muito bom, dona keissai
muito bom mesmo
(: