quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Uma dose de você

por Keissy Carvelli

É a segunda dose que eu bebo entre canções dessas que a gente ouve madrugada a fora. Misturei a vodka com qualquer refrigerante barato para não lembrar do teu sorriso. Não, eu não quero esquecer. Não é isso, por favor, não me entenda mal. Eu só não quero lembrar agora, porque sentir o teu sorriso invadindo a minha cabeça é permitir que a saudade fale mais alto e sentir saudade demais dói.
A segunda dose já está no fim, e não há qualquer sentido nisso tudo. A cada gole, a cada frase dos Beatles que eu ouço, a cada melodia soando pelo headphone é uma imagem daquelas gravadas que vêm a minha cabeça. Você lembra de todas as vezes que fiquei te olhando por alguns minutos só para poder lembrar depois¿
Eu vou lembrando assim, entre um gole e outro, entre uma nota e outra, entre um mês e outro. E a cada dose bebida para esquecer é um sorriso a mais, um beijo a mais, um dia a mais daqueles ensolarados. Sempre com dez ou quinze minutos de atraso, eu deitada no sofá coberto por uma colcha já furada pelos cigarros. Eu assistia a qualquer coisa que fosse me distrair o suficiente para não olhar a cada segundo o relógio branco em meu pulso.
Eu esperava e cantava uma canção idiota na cabeça para o tempo passar mais rápido, eu batia os pés, e forçava a atenção num programa de TV logo pela manhã. Você tocava a campainha e eu levantava devagar para você não pensar que eu estava ansiosa. Eu sempre fico ansiosa pra te ver, mas eu finjo. Eu fingia tão bem. Colocava o meu mais calmo sorriso, e a minha expressão sonolenta e demorava alguns segundos entre um passo e outro e, então, abria a porta.
Você fingia também, eu suponho. Fingia porque sempre chegava com um assunto desses corriqueiros, mas me abraçava forte. Eu sentia seu perfume e não sei se ficava mais ansiosa ou se me acalmava. Eu não lembro. Talvez seja o álcool, ou talvez eu ficasse mesmo confusa entre a vontade de te ter naquele instante em meus braços e a tranqüilidade de te olhar o resto do dia.
Eu ainda consigo sentir teu cabelo caindo em mim e tua voz no meu ouvido. Eu sinto aquela saudade que sufoca, e isso machuca. Já estou na terceira dose, e não vai passar. Não vai. Eu ficaria feliz em ouvir tua voz dizendo qualquer ‘boa noite’, ou qualquer palavra doce pelo telefone. Eu vou beber, mas não me entenda mal. Eu não quero esquecer.

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