sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Subterfúgio Nostálgico

por Keissy Carvelli

Fechei meus olhos por breves instantes numa nostalgia barata, quase que pueril.

Os dias eram de sol ao centro, tão cheios de vida quanto a minha vontade de tocar-lhe os lábios com as pontas dos meus dedos e envolver aquela paixão nos meus braços imprudentes e extremistas.
Arrisquei todos os meus pudores sem qualquer questionamento; enfiei numa mochila algumas roupas novas, o meu sorriso, a minha saudade e, na carteira, alguns restos de tostões. Menti severamente como quem mente aos três anos de idade sobre um chiclete escondido, um chocolate comido. Afastei os temores com as lembranças dos olhos de menina; apanhei com os pulsos firmes aquela passagem amassada e quase rasgada do suor trêmulo e coloquei-me naquele ônibus, beirando o vulgar, que me levaria ao lugar onde eu nunca soube se pertenci.
Joguei os olhos pela janela e, pela sua transparência, encarei a escuridão. Algumas estrelas brincavam de se esconder entre as nuvens; a lua, por vezes, contrariava o tempo e não passava, não deixava os minutos correrem depressa. Minha saudade gritava, imaginava um passado recente, projetava um futuro ausente.
A estrada encolhia solitariamente, tão solitária quanto eu e meus devaneios pulando naquela poltrona fria. Os minutos soavam feito pedras grandes e dolorosas rolando em linha reta. Era capaz de ouvir meu silêncio ensurdecedor lutando contra os ponteiros do relógio.

Nas costas uma mochila velha; nas mãos toda uma saudade de meses, e medos, e desejos. Um abraço distante seguido por um beijo tátil concretizou todas as minhas incertezas. O incerto sempre gostou de brincar comigo, e eu ia deixando, deixando, até perder completamente o jogo.
Os olhos eu conhecia. Aquela feição contida, aquele meio sorriso se abrindo a cada beijo. As mãos seguravam os fios dos meus cabelos e logo percorriam todo o meu rosto, meu corpo, meus sentidos e sensações. Eu conhecia cada extremidade daquelas confusões, e me envolvia em todas elas com tudo o que havia de bom em mim.
Derrubamos lágrimas que já não sabiam exatamente para onde correr; derramamos pelos dedos todos os sonhos unilaterais, os princípios desiguais. Era o suor das noites quentes e ofegantes contrastado com a distância dos dias claros. Era o sexo contra o amor, o meu amor. Era o que eu sentia contra mim, somente contra tudo o que eu, solitariamente, era.
Sol, e lua, e madrugadas, e risos, e lágrimas. Muitas lágrimas sem entendimento, sem sentimento. Agarrou-me pelas pernas, pelos braços e coração como quem agarra um brinquedo e não quer mais soltar. Eu precisava me soltar de qualquer maneira, ainda que o meu choro brotasse feito dor.
Não deixei escapar o quanto me doía arriscar perder aquele beijo, aqueles toques e aquele mistério exalado pelos olhos baixos. Afagada pelo abraço, sussurrei que não voltaria mais. Subi o tom de voz sem titubear e sustentei a idéia de não mais voltar. Eu não voltaria enquanto a nossa vontade não fosse só minha. Enquanto a minha saudade, o meu amor não fosse só meu.
Dos olhos algumas lágrimas como resposta. Eu tinha razão e não havia questionamentos. Acalmei seus erros e deixei o silêncio invadir o quarto e, depois, o sono se sobressair ao silêncio.
Mais um sol surgindo e, antes que eu pudesse refletir sobre minha própria decisão, abordou-me de forma sutil, de forma única como nunca fizera antes. Calou-me com os olhos prometendo não me deixar ir sem previsão de volta. O sol não dava qualquer toque hollywoodiano para a cena, porém tudo parecia fazer sentido.
Por um único instante pensei que ali, naquele exato momento, fazíamos todo o sentido. Não dei-lhe uma resposta direta a não ser um beijo. Um longo beijo e um abraço. Senti o perfume e os cabelos longos caindo sobre os meus.
Não me prometeu amor. Amor não se promete. Não prendeu minhas paixões em sua casa, sua roupa, seu colar. Disse apenas que não deixaria. Não me deixaria ir assim, dizendo que não mais iria voltar. Ela não sabia que para deixar é preciso, antes, ter. Ela não sabia que para um deixar, é preciso ter o outro. E eu, eu nunca tive, sequer, uma metade dela.
Joguei a velha mochila nas costas e o amor eu enfiei num lugar onde não machucasse tanto. Sorri. Sorri inteiro para completar o meio sorriso dela. Antes de partir um “eu te amo” surgiu como palavras de um fim, talvez, um quase meio, o desejo de um início.
A voz rouca, embargada, confirmou mais uma vez num tom de dúvida: “você vai, mas eu farei você voltar.”

Um ano passou sob a pele, nenhuma passagem em minhas mãos, nenhum pedido de retorno. Eu nunca mais voltei.

Um comentário:

Claudia Bittencourt disse...

Beijos de despedida são quase trágicos.