quarta-feira, 1 de abril de 2009

Por uma madrugada

por Keissy Carvelli

Só pra sacanear, essa madrugada eu vou falar a verdade. Sem metáforas, nem ironias, nem poesia, rima, subjetividades. Só pra sacanear, eu vou falar a verdade.

Te acho estúpida pelos teus desamores cometidos, pelas frases ditas, pelo silêncio ridículo, pelo distúrbio de temperamento. Me acho ainda mais estúpida pelas tentativas vagas, pelas noites escritas, pelas loucuras feitas somente por um segundo dos teus olhos.

Acho ridículo o final escrito por você sem qualquer lirismo, mas gosto de como está. Não suportava te dividir com teus egoísmos, tuas meninas, teus meninos, tua insegurança tão bem disfarçada de prepotência. Não suportava não me enxergar longe de você e não suporto me enxergar tão perto de você sem os nossos cigarros seguidos de beijos, ou tanto faz.

Só pra sacanear eu vou te dizer o quanto eu me sinto livre pra fumar o que eu quiser, pra escrever qualquer porcaria estúpida e publicar onde eu bem entender. Eu ainda estremeço por dentro como da primeira vez e quase não sei explicar, se não for por linhas tortas e olhos baixos.

Eu tentava entender todos os teus desatinos e por quantas vezes me joguei numa cama com os olhos cheio de lágrimas enquanto você dormia e acordava ligando pra outro alguém. Eu tentava entender, eu tentava fingir que seria diferente, que comigo, com a gente, seria diferente. Só pra sacanear eu vou dizer a minha verdade, aquela verdade hiperbólica que eu gosto de criar.

Tantas vezes me vi rastejando por um terço de sentimento, por uma preocupação, por um boa noite, por um só dia ao teu lado. Eu mudei minha rotina, meus horários, um pedaço da minha vida. Eu vi num espelho quebrado meu rosto refletindo o seu, e não me via mais.

Só pra sacanear eu vou te contar os meus segredos dos últimos dias, do último mês. Esperava, ao menos, uma lágrima tua declarada, um sofrimento, ainda que sutil. Esperava, ao menos, uma carta de saudade, uma ligação embriagada no meio de uma madrugada inesperada. Pra me sacanear eu vou dizer que eu esperei demais.

Eu sinto falta do seu beijo e da forma como controlava todas as nossas coisas. Só por hoje eu não vou esconder nada, absolutamente nada. Numa ou noutra noite eu ainda fecho os olhos imaginando as nossas manhãs naquilo que era a nossa cama, um esconderijo, talvez.

Só pra sacanear não vou dizer que não espero te ver, nem fingir não ter medo. Eu ainda espero algo de você. Uma lágrima caindo bem diante de mim, um impulso seguido por um abraço forte, um beijo no meio da rua planejado em pensamento, um beijo na chuva.

Não te espero de volta. Pra ser bem sincera confesso não esperar um romance entre nós. Uma paixão dilacerante ao me ver chegar. Não espero.

Nunca mais li as cartas pra ti escritas e guardadas na minha carteira, temo sentir-me tão ridícula ao ponto de rasgar em migalhas e jogar ao vento. Temo não ter coragem suficiente para nunca te entregar.

Só pra sacanear, eu vou acender mais um cigarro enquanto escrevo. É pra soar dramático e exagerado mesmo, só pra sacanear. Vou comprar os livros que já leu, e gostar de todas as poesias sem melancolia que você gosta. Só pra sacanear vou ouvir um disco imbecil e cantar refrões sem sentido.

Pra me sacanear não vou me apaixonar mais uma vez, não vou insistir, nem conquistar. Pra me sacanear eu vou pensar em você mesmo você já não pensando em mim.

Eu estava tão certa quando você dizia ser loucura, quando você jurava de pés juntos ser amizade. Você nunca me enganou, era eu quem me enganava. Uma parte disso tudo foi eu quem criei nessa minha cabeça tola juvenil. A outra parte nós vivemos sentindo. Eu ainda sinto.

Sinto nunca ter te deixado quando dizia partir, sinto ainda mais ter voltado todas as vezes e ter sido perfeito. Sinto ter feito o melhor. Sinto por todas as vezes escritas nas entrelinhas e não ter causado o efeito pretendido. Sinto fazê-lo mais uma vez.

Eu não sei dizer olhando pro teu rosto que ninguém me fez sentir assim, ninguém me fez sacanear e falar a verdade. Isso tudo é apenas uma entrelinha. Uma sacanagem, uma infâmia disfarçada de verdade bruta, um sentimentalismo enorme disfarçado de verdade rude.

Só pra sacanear vou confessar todas as vezes em que fui rude, cruel, e grotesca somente para não cair no choro e implorar teu amor. Eu nunca quis te fazer chorar, mas esperava uma lágrima de desespero, uma lágrima de despedida. Eu não dizia pra não te sacanear.

Eu queria ir a um bar e ver teus olhos discretos procurando minhas feições, reparando meus goles, meus pés balançando. Eu queria nunca ter pedido que usasse óculos e tirasse as lentes.

Pra me sacanear eu vou pra tua cidade e lembrar dos nossos caminhos diários, dos minutos de espera, da angústia em dormir sozinha querendo você ao meu lado.Eu esperava ouvir meu nome ecoando da tua boca, e os riscos sendo deixados de lado por uma noite a mais, por um abraço a mais.

Hoje olhei as horas iguais e não pude evitar o aperto. Hoje o meu sono foi titubeado pela maldita vontade de te escrever às duas da manhã. Hoje eu esperei um sinal de espera, um sinal de uma alegre saudade. Esperei demais.

Só pra sacanear não vou contar nenhuma mentira. Não vejo mais troca de ‘eu te amo’ perdido entre lençóis. Não vejo teus amores todos pra mim.

Ainda ontem, ou há três meses atrás, foi o melhor aniversário que tive e estava sozinha, mas sentia tua voz e teu soneto no meu quarto. Ainda ontem eu planejava minhas viagens pra te ver.

Só pra sacanear eu vou dizer a verdade. Tens sido minha inspiração, mesmo tão longe dos meus braços e planos. Só pra sacanear eu vou te enviar, vou publicar e nunca, nunca mais, tocar no assunto.


5 comentários:

Pedro disse...

Nunca mais é muito tempo.

Todos esperamos por um milagre de vez em quando, um toque no celular, uma mensagem, um e-mail. As vezes a gente não acha nada, mas será esse talvez o sinal de seguir em frente?!

Unknown disse...

C-a-r-a-l-h-o.


Vi essas palavras querendo sair da minha boca, não com esse tom poético.
Mas eu precisava "sacanear" assim como você fez, e um dia que eu inventei de fazer isso e publicar a "outra" achou um problema enorme.
É lindo o modo como você escreve, a docura, melancolia, nem sei dizer o que eu queria elogiar no seu texto.

Mas sinceramente, estás de parabéns!
:*****

Laurita Danjo disse...

Nossa!!! Texto tenso hein gata!!! Confirmo novamente os parabéns e que prevaleça seu "nunca mais".

Anônimo disse...

http://ventoonde.blogspot.com/2009/04/quando-nos-trocamos-o-primeiro-olhar.html

Claudia Bittencourt disse...

Foda. Foda foda foda.

Eu gosto da sua escrita, de alguma forma me lembra a forma com que eu escrevo, me reconheço nela. E esse texto simplesmente traduziu o que eu queria conseguir escrever.

Muito foda!