segunda-feira, 20 de abril de 2009

Alice e a estação

por Keissy Carvelli

A confusão de vozes estranhas tomava todo aquele imenso saguão sem visão do fim. Luzes brancas se embaralhavam entre os faróis vermelhos de tempo em tempo, ofuscando o olhar de toda aquela gente de rostos e feições efêmeras.

Eram segundos e mais segundos marcados por tantas expressões, e o tempo já não sabia se era ele quem brincava com os corações, ou vice versa. Até o tempo parecia entrar naquela confusão, naquelas vozes.

Alguns sorrisos se abriam com a chegada. As malas em mãos sofriam o peso da saudade e caiam ao chão, dando espaço para um abraço, um aperto de mão, um gesto sem graça ou intenso.

Alguns olhos molhados sussurravam ‘eu te amo’ quase em silêncio com a partida. As malas já guardadas sofriam o peso da saudade, dando espaço para um último beijo, um abraço reticente, mãos entrelaçadas.

Idas e vindas marcadas por diversos rituais complementares. Uma ou outra vez quem deixava derramar uma lágrima tímida ainda iria abrir um sorriso às quatro da manhã querendo dizer a toda estação rodoviária o nome de quem chega. Os sorrisos, mais segundos, menos segundos, iriam ceder lugar aos olhos tristes e saudosos. Toda estação tem sua rotina.

A menina de mochila grande nas costas não sorria. Também não levava nos olhos marca alguma de tristeza, ou sal. Nas mãos nenhum presente, nenhum bilhete. Apenas uma blusa enrolada num dos braços para caso o frio surgisse em meio à madrugada. Talvez chamasse Alice. Tinha no rosto um desses nomes fortes, mas talvez não fosse tão simples assim, não poderia saber ao certo. Apenas carregava nas costas uma mochila, nas mãos uma blusa e um cigarro. Nenhuma carta, flor, nenhum indício para onde iria. Mas voltaria, era certo.

Alice, que provavelmente não tinha esse nome, tinha nos olhos algo diferente. Esperava, assim como todos ali, por algo. Não simplesmente o próximo ônibus, ou o abraço de despedida. Não era isso, e eu podia sentir, mesmo de longe. Esperava por algo muito maior, uma epifania de arrepiar de pele, quem sabe.

Estalou os dedos algumas vezes, aposto que cantava algum samba em pensamento e sorria quando percebia estar em plena multidão. Uma multidão entre abraços e ela ali, só. Completamente só.

Tirou do bolso o único bilhete escondido que levava, sem nome nem letra a mão. As letras impressas diziam, certamente, para onde iria, mas não arrisquei olhar. Sabia, pelos olhos, que iria para onde pertencia, e pertenceria ao resto do mundo, não muito longe. Alice, Alice, Alice...Subiu os três ou quatro degraus, procurou o número de sua poltrona, esticou as pernas, vestiu a blusa outrora em mãos e se perdeu entre pensamentos pela janela e estrada.

Alice, Alice, carregava nas costas uma mochila, nos braços uma blusa para caso o frio da madrugada surgisse, numa das mãos um cigarro e só.


Um comentário:

Alice disse...

Meu nome não é Alice, mas meu apelido é "Alice de Mochila". Achei legal ler seu texto, mas eu não fumo =)