Quando eu quis ir embora suas mãos me puxaram para trás num toque brusco, impulsivo, sem permitir qualquer reação contrária dos meus braços.
Meus pés pisavam o vão limitante da distância entre o sentir e partir, exatamente assim, em rima pobre com terminação idêntica. Não há rima rica quando as terminações se repetem.
Posicionei meu corpo cansado na fronteira exata das precauções e de todo o sentimentalismo para evitar qualquer tropeço tolo que me levasse ao chão certeiro, sujo e tão bem acostumado a essas caídas grosseiras. Meus dedos tocaram o trinco maciço, suas entranhas chocaram-se contra a madeira provocando um ruído típico de partida desses que duram horas dentro de quem sente, porém a porta não se abriu.
Seus olhos estavam ali, fitando os meus sem perdão nem pecado. Eram olhos concretos, ainda que distantes, pedindo, em protesto às minhas mãos, um abraço; eram olhos chamando os meus para dentro, para mais perto. Eram olhos de quem diz “não, não vá ainda, jogar-se para fora assim não é preciso”. Eu sei o momento de ir.
Estava, em silêncio, retirando aos poucos o pouco que me restava, não era uma precipitação desesperada por um fim, eu não me punha para fora aos socos e pontapés. Dedilhava meus passos para o começo de mim restringindo todos os meus focos à minha percepção. Eu sabia que deveria ir, eu sabia.
Mas era você, eram seus olhos, suas expressões doces dizendo que a minha razão não exercia sentido algum. Eu sentia, e não deixei de sentir. Era tua mão aos prantos puxando meu corpo para a tua direção, e puxando meus sorrisos, meus sonhos, minhas idealizações para você. Como eu, vulnerável aos teus anseios, poderia insistir nessa insana obsessão de racionalidade?
Voltei num caminhar lento e, a cada centímetro andado, era a espera de um beijo; a cada movimento controlado, uma noite em pensamentos ilusórios. Voltei para a sua vontade, para a nossa intensidade sem sequer renunciar às minhas vozes realistas. Eu sabia, eu tinha de ir, mas não fui.
Tomei meu lugar, mas não o dele; acalmei os meus tremores internos; traguei um resto de cigarro; recolhi os restos de mim e fui colando pedaço por pedaço com teus afetos e amores. Fui traçando um novo lugar, uma nova vontade de te sentir; fui traçando, trancando os medos, arriscando as cartas, trançando os dedos até esquecer o trajeto da cama até a porta. Eu deveria ter ido.
Não fui e ouço agora dos mesmos lábios mais um pedido, uma escolha, uma renúncia. Ouço, daquela mesma voz incerta, novos ruídos simulando, em contornos discretos, o exato caminho de nós até o “eles”.
Diz, sem fitar meus olhos, que não há partida, porém naquele quarto o “eu” já é demais; os nós desataram; a febre envolve aqueles outros dois, eles dois, não eu. Não há mãos nos meus ombros, nem braços, abraços mistificando o caminho.
Eu deveria ter ido ao meu pedido, mas sempre atendo ao seu. Agora eu vou.
2 comentários:
Sabe que tens uma grande intimidade com a palavra! Parabéns, teus textos são incríveis...Dê uma olhadinha no EspiraleVida depois, bjos...
fazia tempo, mto tempo, q eu não passava por aqui. e é sempre um prazer!
esse texto, não sei pq, lembrou um meu. deve ser por causa da descrição da cena, tão subjeitva. sei lá.
=*
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