sexta-feira, 9 de maio de 2008

Íntimo maltrapilho

por Keissy Carvelli

É o tema quem me incomoda. A falta dele, para exagerar de uma sinceridade programada e hipócrita.

Tudo me parece muito igual para ser dito, quanto mais para ser colocado em palavras rebuscadas e previamente dissolvidas em exaustivos espasmos. Há uma monótona repetição que me aporrinha o saco a cada abrir e fechar dos olhos, sem me permitir um súbito fluxo daquela criatividade efusiva de principiante.

A forma sólida, abstrata; as colocações e preposições; as objeções, focos e nexos surgem feito repetições cíclicas e mal humoradas de uma falta segura e intacta de novas fontes e visões.

Sinto-me presa à necessidade da escrita sem ter em mente qualquer inspiração para as letras. Leio compulsivamente numa tentativa desesperadora de absorver, digerir, ou sei lá mais qual função biológica possa existir.

Há também, entrelaçada a todas essas perturbações inertes, uma falta de paciência para o resto do mundo. Todo ele, quase que sem exceções. Imagino que a falta de extremos me incomoda.

Alternei a parede do quarto com uns recortes e figuras deixando tudo bem criativo, confesso. É essa minha antiga mania adolescente de sempre querer dormir numa aparência estudante-alternativo-de-jornalismo. Grande coisa, mas me agrada. O quarto eu mudo, colo uma coisa aqui, uma capa de cd ali, mas e que raios eu faço com os punhos fechados e pés intactos?

Sou uma eterna insatisfação, talvez. O passo seguinte é sempre esperado como glorificação de um estado maior de satisfação, e então o passo é apenas mais um passo. E, por deus, não há satisfação plena. Qual é? Então eu, uma estúpida indagadora de tudo, vou agora dizer que acredito na felicidade plena? Uma casa na praia, um cachorro, e um amor desses de encher os olhos não seria nada mal, confesso, no entanto seria uma morte lenta e deplorável a cada segundo de tédio.

Começo a acreditar que não sei viver sem uma paixão dessas ridículas que te botam num extremo maldito de escritas hiperbólicas. Sobre o que vou escrever, alguém me diz? O mundo anda a mesma coisa: a Isabella já me encheu o velho saco; o Ronaldo e as travestis já viraram uma bela palhaça, ora essa, qual o problema em querer comer algumas travas numa noite solitária? Agora vão lá as três pseudo-moças dizer que era tudo mentira e que o tal Fenômeno não sabia mesmo que o sexo de aluguel era do mesmo sexo? Ah, por deus. É melhor eu voltar ao meu íntimo maltrapilho.

Uma paixão sempre é motivo para as melhores palavras; o vocabulário se enriquece sem qualquer esforço mental. É sempre paixão, mas não há nada que faça os dedos palpitarem tanto quanto essa estação.

Quem sabe eu não sirva mesmo para escrever outro tipo de coisa. Essa história de inventar algo para contar não me atrai em momento algum, não há como deixar aquela sinceridade programada de lado, ainda que hipócrita.

Por fim, não há fim. Uma bela falta de tema é, numa noite fria e impaciente, um bom motivo para escrever.

Um comentário:

Maíra F. disse...

"Uma paixão sempre é motivo para as melhores palavras; o vocabulário se enriquece sem qualquer esforço mental. É sempre paixão, mas não há nada que faça os dedos palpitarem tanto quanto essa estação."

:)

também ando sofrendo da falta de tema. acho que por isso que acabei fugindo pro lado mais irônico e quase que debochado de postar (não que ele de fato me preencha em nada).