domingo, 6 de abril de 2008

Do lado de fora

por Keissy Carvelli


Os pés descalços e sujos se arrastavam naquele chão frio daquela madrugada de tantas idas e vindas. O vento forte e ainda mais frio embaraçava os cabelos pretos jogados ao tempo como resquício do cansaço interior que sentia após tantos anos, tantos beijos, tantas palavras e histórias.
Não pude desvirtuar os pensamentos, tampouco as cenas que acabavam de acontecer. Aquela conversa precedida das mãos, e dos olhos fechados, e daquela vontade gritando em silêncio coisas que nós não queríamos ouvir, titubeava pela minha cabeça sem indícios de encontrar alguma solução ou explicação.
A maquiagem borrada enfeitava os olhos baixos e sonolentos que não procuravam nada por aquelas ruas longas e distantes de qualquer lugar. Estava longe de mais para me arriscar, mas perto o suficiente para não esquecer.
Aquela história toda de medo e subterfúgios não poderia me convencer a não esperar, não querer decifrar os reflexos dos espelhos postos em quartos distintos. Eu não deveria aceitar, mas há uma fresta de impotência corroendo minhas mãos.
Abri a porta num ruído discreto e logo pude aquecer meus pés com o carpete empoeirado da sala de estar e, num suspiro leve, retomei a consciência do que acabava de acontecer. Era eu, mais uma vez, o certo pelo errado. Era eu, mais uma vez, agora pelo inverso.
O cheiro de cigarro misturado ao álcool se alastrava por toda a minha pele, e aquela marca no braço esquerdo, aquele fim sem começo, aquele sorriso conformado saindo do meu rosto enchiam o meu apartamento de crimes e suspeitas.
Joguei meu corpo fraco na água quente do chuveiro lavando primeiramente os pés de quem dança, e anda e não chega a lugar algum. Esfreguei cada pedaço de pele na tentativa de tirar o perfume que ficaria preso em mim, no meu lençol, e no meu cobertor durante todos os meus sonhos. Prendi os fios que caíam sobre a boca tentando prever qualquer pretensão, qualquer senão.
O sol já começava a aparecer pelo vão da janela, os sinos da igreja lá do ouro lado acertavam a hora. Que horas são? Não, não queria pensar no tempo.
Troquei os pensamentos pela cama, cobertor, travesseiro e um pequeno fluxo de imagens de um passado recente que se dissipava no ar como aquele perfume que, em vão, tentei não lembrar.

6 comentários:

tagg disse...

deixa de lado cigarro e álcool e pele. leve a literatura.

Kleber Bordinhão disse...

Parabéns pelo blog,
ganhou um visitante diário.
;)

vende-se apetite disse...

como dissipar pensamentos???
essa arte preciso aprender!

Ilana Stivelberg disse...

prefiro as coisas do lado de dentro :)
essa história toda de perfumes me confunde um pouco.

sempre muito bonito isso aqui, mini ;)

Aprendiz do amor disse...

'mas há uma fresta de impotência corroendo minhas mãos.'

lave-as então ;)

Anônimo disse...

Adorei...
quero cigarro pra continuar lendo o Blog!