quinta-feira, 24 de abril de 2008

Mais uma dose

por Keissy Carvelli

A tarde era uma dessas em que o tédio invade o quarto sem deixar espaço para qualquer outro ofício, a não ser o frio, que escapava dos ventos lá fora entrando pela fresta da janela clara que insistia em refletir o sol sobre minha cama todas as manhãs.
Chovia, abria sol, chovia, assim como tudo em mim. Num instante eu sorria, noutro seguinte trancava meus lábios e franzia os olhos involuntariamente, ainda que minhas conversas superficiais demonstrassem o contrário.
Ela notou meus desapegos e então pediu que eu não ficasse triste, assim como quem pede um chiclete no fim da noite. Pediu para não ser o motivo da minha tristeza, como se pedisse para não ser motivo algum.
Não era tristeza dessas sólidas que botam nos olhos rios de lágrimas e nos lábios o sal amargo das desventuras. Ou era. Mas as lágrimas e os olhos não, esses não eram.
Era uma decepção, um cansaço latente quebrando-me os ossos, recolhendo-me a pele; era um desajuste cretino maltratando minhas estruturas. Mas não era ela o motivo. Não o principal.
Eu, tudo começava e terminava nesse pronome tão pessoal. Estava descontente comigo, com essas mãos de unhas vermelhas, com esse cabelo molhado do banho quente, com esses pés frios e pequenos. Não estava triste, porque estar triste comigo mesma era querer sentir de mais, e eu, sinceramente, não queria sentir.
Estava estupidamente desacreditada de mim, porque eu, nesse infame jeito de ser, não conseguia sequer deixa-la ir. Para qualquer lugar que fosse, para qualquer abraço que a quisesse, eu não a deixava ir. Eu não podia ir a lugar algum.
Estava em náuseas porque eu, nessa brincadeira de gostar, acabei gostando demais, e gostando mais daquele beijo do que da minha própria boca. E por gostar de mais eu não me deixava partir; por gostar de mais eu não gostava mais de mim.
Era como uma dose de conhaque, dez doses de um álcool qualquer misturados a um maço inteiro de cigarros, ou qualquer sinônimo mais barato e medíocre: você sabe do dia seguinte, conhece o gosto amargo de ressaca em olhos baixos, não suporta o odor estúpido das mãos, do cabelo, do ócio; você sabe, com todas as letras e gestos, que o sono cairá sobre o corpo, que a cabeça parecerá mais pesada que o céu, mas, ainda assim, num próximo final de noite, trará um copo para mais perto, acenderá o cigarro com a outra mão, e se embebedará por toda a madrugada. Porque o gole na boca, e o gosto nos lábios, são ainda mais sutis que o amargo da lua caindo. O toque esperado é ainda mais sentido e amado que as divisões odiadas.

Um comentário:

Anônimo disse...

parafraseando o ron weasley..."nossa, uma pessoa não pode sentir isso tudo. ela explodiria!" O.o

e pq a senhorita não muda?

bjks

gleice