terça-feira, 15 de abril de 2008

Filantropia

por Keissy Carvelli

Ela tentou aceitar os fatos com um sorriso amarelo no rosto pálido e frio. O esforço só dissipou mais seus descansos, e o sorriso, não, ele não era amarelo. Antes fosse, soaria menos doloroso, menos piedoso e, quem sabe, despertaria um tom frígido de sarcasmo e ironia que ela tanto costumava jogar em suas frases soltas.
O sorriso não era inteiro, nem pela metade; era desses risos em pedaços, em frangalhos, de canto de boca sem mostrar os dentes, sem mostrar o sorriso. Ela era vulnerável, e sabia disso. Ela confiava de mais, e sabia disso. Ora, sua mãe passara a vida toda lhe dizendo: menina, você acredita muito nas pessoas, o mundo não é como você pensa.
Mãe, eu sei, eu sempre soube, mas não posso não saber, entende? Preciso acreditar, e não há outra coisa que eu possa fazer a não ser crer naquilo que me dizem. E, às vezes, nem é preciso dizer.
Ela tentou se projetar com seus 25 anos, talvez. Não demora tanto assim, é certo, porém até lá os dias são longos, e as escritas vazias e tão cheias dela mesma. Não obteve qualquer imagem sofisticada de roupas caras e emprego sofisticado. Ou teve. Mas como separar o seu imaginário real das suas expectativas platônicas?
Lembrou-se do professor de filosofia deixando escapar sutilmente que o tal Platão era um quase babaca, e que, bom mesmo, era Aristóteles. Qual é a desse cara que fica idealizando as coisas? É, Platão, deixar a caverna e as sombras para trás vai além de um simples conto. Talvez nós, eu e você, pudéssemos nos conhecer por aí, e idealizaríamos nossas paixões e por fim casaríamos. Não seria má idéia, não fosse por um fator ou outro.
Tentou aceitar o fato de que não há razão alguma, e interiorizou a vontade de não afear seus dias. Santa impaciência. Era isso, exatamente isso: demonstrava paciência com seus novos amores pela sua própria impaciência. Quanto egoísmo, menina. Talvez isso não te leve ao céu. Talvez isso não te leve a lugar algum.
Ela era assim mesmo, e todos sabiam. Tinha lá seus encantos, mas de magia, pouco, bem pouco. Temia, ainda, repetir-se. Por Deus, como ela era repetitiva. Chorava as mesmas lágrimas, os mesmos motivos, os mesmos clichês; poetizava as mesmas palavras, as mesmas rimas, os mesmos pontos, as mesmas vírgulas, o mesmo enredo em voz distinta.
Olhou sua cama desarrumada, seu quarto estrategicamente desorganizado e imaginou algum conto sobre essa coisa toda de vida nova, e liberdade, e cigarros, e álcool...Lá estava ela se repetindo outra vez.
Achava um charme citar cigarros e álcool em poesias e prosas. Achava um charme entrar madrugada a fora expondo em papel suas repetições infantis. Achava ainda mais charmoso levar um gole de café à boca a cada pausa literária, no entanto detestava café. È, ela não era tão charmosa quanto pretendia.
Ah, Platão, se eu te conhecesse. Passaríamos noites e noites mudando o mundo com os pensamentos enquanto os pés deixariam marcas no chão de terra batida.
Ela queria ser um pouco de Aristóteles, ela queria, mesmo! Talvez já esteja dando indícios e progressos para tal, ela sabe. Mas falta-lhe paciência, é o que dizem, e essa gente, sinceramente, diz de mais. Toda uma vida de paciência esperando pelo que “está por vir”, e nunca está, nunca é, nunca vem.
Menina, ouça o poeta: não há nada há ser esperado. Nem desesperado. Ouviu? Pois bem, agora durma, mas leia antes, isso te trará algumas idéias a mais.

4 comentários:

Maíra F. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maíra F. disse...

devo confessar que também acho um charme toda a coisa de cigarros e álcool entre versos :) na verdade, momento-confissão: sempre cito xícaras de café me fazendo companhia às dores mas, na realidade, odeio café. mas... fazer o quê? leite com nescau não tem glamour. muito menos coca light.

Carlos Pegurski disse...

Gostei daqui, Keissy. Apareço com mais frequencia.

Rosa disse...

Ela era vulnerável, e sabia disso. Ela confiava de mais, e sabia disso. Ora, sua mãe passara a vida toda lhe dizendo: menina, você acredita muito nas pessoas, o mundo não é como você pensa.






eu juro que essa foi a forma que vocÊ encontrou de dizer: Menina, eu sou você.


mazisabboud@hotmail.com

adiciona, que eu preciso te conhecer.

=*