domingo, 20 de abril de 2008

Cor-de-menina

por Keissy Carvelli

Pacote fechado, embrulho colorido com um laço vermelho logo em cima. Não havia cartão, mas não era preciso, o silêncio das poesias gritadas aos quatro cantos evidenciavam todo o conteúdo e teor daquela caixinha levada pra casa, às pressas, por passos curtos e contidos.
Um pequeno soldadinho de chumbo foi tirado com cautela por aquelas mãos pequenas e olhos que sorriem. Ele era de chumbo, porém levava em seu rosto um sorriso desses lindos, com dentes perfeitos tão bem alinhados. Ele sorria por ver aquele sorriso.
A menina foi arrumando com delicadeza cada dobra da roupinha azul, e depois o chapeuzinho, e os sapatinhos até se converter ao olhar contente daquele pequeno boneco e ceder-lhe um beijo. Ele não era apenas um bonequinho de chumbo.
Foram dias assim, de paixão, de toques sutis, de conversas que duravam horas e mais horas, e elogios, canções, superstições...Eram dois juntos em um só, como se a vida inteira tivessem procurado um ao outro. Ele não se sentia mais como um bonequinho de chumbo. Ela não o deixava sentir sequer por um único instante.
Numa noite dessas, em que trocavam sentimentos, o soldadinho foi posto no baú cor-de-rosa, longe da cama, num canto qualquer. Ele não desconhecia o motivo, no entanto preferiu não entender.
Na noite seguinte o baú não foi aberto, a escuridão se prolongou por algumas lágrimas que caiam sobre aquele ausente sorriso. Ele não era apenas um soldadinho de chumbo, ele sabia. Tinha voz, e cantava, e sorria. Suas mãos não eram nem tão grandes nem tão pequenas, combinavam com as dela. Não, eu não sou só um soldadinho de chumbo. Eu amo.
É, ele estava certo. Não tardou para o baú ser aberto. Avistou com olhos brilhando aqueles cabelos caindo sobre o rosto, e aquelas besteiras ditas e ridas. Era ela, e ele sabia. Era ele, e ela sabia.
Trocaram os mesmos toques, as mesmas feições. As frases piegas não foram deixadas de lado. Ele cantou por um tempo, arrancou-lhe uma risada dessas de longos minutos. Tudo voltou ao normal e ele já imaginava os próximos dias, o sol nascendo, os beijos pelas tardes, e noites, e madrugadas, e o baú se fechou mais uma vez.
Aquela imaginação, a ilusão e as esperas foram trancadas naquele maldito baú velho e cor-de-rosa. Restou-lhe mais uma lágrima que não ecoava naquele silêncio. Ele sabia, ela tinha tantos brinquedos. Todos do mundo inteiro.
Uns tinham mais cor, mais charme, outros, ainda, ficavam logo ali naquela prateleira bem mais perto da cama do que ele. A culpa é do baú, quem mandou ficar tão longe?
Acostumou-se a viver entre as bonecas, a escuridão e as lagrimas. Não deixou de sorrir. Ela sempre voltava e botava naquele rosto cansado de brinquedo velho todos os sorrisos que poderiam existir. Ela sabia resgatar o amor do soldadinho de chumbo, por mais que ele jurasse de pés juntos, todas as noites, que se esconderia assim que uma luz viesse lá de cima. Ele fugiria, não deixaria rastro nem pistas. Nem ao menos desarrumaria o baú. Sairia assim que a lua tomasse o centro do céu e nunca mais dormiria entre lágrimas.
Ele não era só um soldadinho de chumbo. Ele amava, e todo bonequinho que ama, ainda que seja de chumbo, escreve poesias entre melancolias e sorrisos. Todo bonequinho que ama, cala ao entrar na grande caixa cor-de-menina, e toca-lhe os lábios ao sair.
Para ele era amor, não havia de ser outra coisa senão amor. Mas ele, ah...ele era apenas mais um soldadinho de chumbo jogado no fundo do baú.

4 comentários:

Anônimo disse...

Caríssima

Por favor entrar em contato comigo no email fernando.torres(arroba)novasvisoes.com.br.
Tenho um convite a lhe fazer.

Maíra F. disse...

engraçado ler isso. me lembrou que quando eu era pequena (e até hoje um pouco) eu não jogava meus brinquedos e coisas fora porque achava que eles amavam. não queria que eles fossem pro lixo chorando por mim abandonados... :~ e até hoje nunca consegui me desapegar.
enfim. lindo texto, só pra variar :)
:*

Anônimo disse...

Ele era um soldado, certo? Podia dar cabo em todos os outros brinquedos e ser o único. Tanto amor e toques e aquela coisa lírica toda amoleceram ele, imagino. Uma vergonha pra corporação.

Rita Vilela disse...

Keeeeeeeeissy
Vo vira tua fã!!!
Haha
Adivinha quem é?!
HaiuaIHAHIAhi

Bjo
e atéé amanhãã!