domingo, 21 de setembro de 2008

Ainda que

por Keissy Carvelli

Eu gosto quando ri espontâneo sobre qualquer bobagem que eu diga em tom sério. Eu gosto quando me surpreende com um beijo, e quando me invade com um olhar, dizendo bem lá no fundo, lá dentro de mim, aquilo que tua voz tampouco pode sussurrar.

Eu gosto quando perde a graça e abre só um pouquinho a boca expressando a sua indignação com as minhas palavras. Eu gosto do sorriso que se forma quando isso acontece.

Eu gosto quando existe apenas um ou dois travesseiros me distanciando de você, e quando recebo uma mensagem enquanto escrevo.

Eu gosto das nossas brigas, e da irritação que você me provoca. Gosto porque é o que te difere.

Eu gosto do teu perfume e do quanto me sinto segura com ele. Gosto do meu perfume encontrando o seu.

Eu gosto daquilo que não gosto, de tudo o que não suporto. Gosto porque é quando eu percebo que, ainda assim, eu sou estupidamente louca por você.

Eu gosto quando tenta não me perder, ainda que não tente me ganhar. Gosto porque é o que me faz voltar.

Eu gosto quando não há argumentos, nem explicações. Gosto quando não há desdém nem glorificação.

Eu gosto quando ri espontâneo sobre qualquer bobagem que eu diga em tom sério. Eu gosto porque é quando não há, sequer, um travesseiro entre o seu sorriso e o meu.


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Meus discos

por Keissy Carvelli

Às vezes eu me pergunto o que há entre mim e você que faz dar certo. Se é o teu sorriso de criança que combina com o meu meio de canto. Se são os teus discos estranhos que se encontram com as minhas velharias musicais; se são os teus livros empoeirados que procuram os meus virtuais.

Tem horas que procuro saber o que faz a gente se gostar assim. Se é a sua forma de me irritar com os teus princípios se chocando com a minha mania de classificar ações. Se é o teu não-ciúme brigando com o meu ciúme escancarado. Se são as tuas palavras doces seguidas de risadas observando as minhas palavras rudes e doces seguidas de pontos.

Às vezes eu me pergunto o que faz eu te querer tanto. Se é o teu beijo calmo que vai levando o meu. Se é o teu olhar perdido em contrapartida com o meu, te fixando nos olhos. Se é a tua mão pequena agarrando na minha um pouco maior, de unhas vermelhas. Se é o teu perfume que gruda na minha roupa cansada do meu cheiro. Se é a tua saudade desfreada e carente gritando com a minha, controlada e coesa.

Às vezes eu me pergunto se é o teu cabelo claro misturado ao meu escuro; se é o teu olho escuro misturado ao meu claro; se é a tua inteligência alta brincando com a minha mediana. Se é o teu egocentrismo rindo da minha auto-destruição.

Tem dias inteiros que me pergunto por que você gosta de mim. Se é pelas minhas poesias exageradas derramadas sobre a tua contenção. Se é a minha mania de fazer tudo o que quer contribuindo para o teu "não me pressione". Se é a minha paixão em música, prosa e rima aceitando o tua em frase.

Ás vezes, em horas, em dias, em instantes, eu me pergunto o que há entre nós. Se é a sua brincadeira de verdade testando a minha verdade de brincadeira. Se é a sua relação às avessas conquistando o meu avesso.

Às vezes eu me pergunto por que é que eu me pergunto. Se é pelos meus motivos conflitando com as suas razões.

Às vezes eu me pergunto o porquê de tanta pergunta. Se é pela minha intromissão disfarçando a tua estranha convicção, ou se é pela minha distração de não perceber que em você eu encontro meus livros, meus discos e descanso minhas folias e meus risos.






[...e ainda diz que não é nada minha.]

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Passagem

por Keissy Carvelli

A distância chegou sorrateiramente, sem que eu esperasse, tampouco precisasse. Eu nunca saberia explicar o quanto eu não a suporto.

O caminho entre o meu quarto pequeno e mal iluminado até a cozinha me enche de náuseas. Preciso me certificar de dar os passos certos para não distorcer a direção. É insuportável. Percorro quilômetros sem saber quando será a próxima vez, sem saber, sequer, se haverá próxima vez. Tudo se apresenta tão instável, tão longe, tão distante.

Insuportável a distância entre o desejo e a pele; entre os olhos e o toque; entre a vontade e o beijo. As cores vão perdendo o tom a cada segundo que passa e não há nada a ser feito. Eu não esperava por ela, por elas. Soa como um contragolpe, e eu já não posso defender meus receios, meus medos.

Estão todos jogados por aí, uns por aqui, e pouco importa. Não há receio quando há um sorriso que venha daquele rosto conhecido e pouco visto. Eu não suporto a distância física cravada em estradas curvas. Eu não suporto a distância que provoca a saudade, a incerteza, a certeza de que uma hora ou outra eu apareço. Eu apareço por lá, por aí, eu apareço em ti.

Eu não sei quem é você, quem é ela, e por que raios tudo se confunde. Eu não sei por que raios eu vou dizendo tanta besteira, tendo uma imensa vontade de apagar cada letra mal digerida, mal decifrada. Eu não suporto a distância que me coloca tão perto e tão longe de você. Eu não suporto a distância, eu me importo com você.